O Tratado de Botânica Francesa foi o melhor livro que Claire
já tinha lido e apreciado. Durante a viagem de volta, Gerard percebia que sua
filha não desgrudava um só instante do livro. Era evidente que os dias que
passaram em Château Royat com os Clermont foram muito importantes para tira-la
dessa atmosfera de tristeza e trabalho em que ela tinha se submetido. Mas, a
amizade com Paul era mais importante ainda. Gerard sempre almejou, no fundo do
seu subconsciente que ele se entendera com sua filha. Não existia nada mais
adequado que Claire e Paul fizeram uma amizade, e se Deus permitisse, que essa
amizade se transformasse em namoro. Isso era o sonho da vida de Gerard. Por
outro lado, ele já percebera que sua filha era boa naquilo em que trabalhava, e
que certamente seria um êxito na área de perfumaria, já que tinha um olfato
excelente e um tino comercial oculto. Madame Brigny era uma influência muito
apreciada nesse campo, e ele sentia-se tranquilo sobre o futuro da filha. Era
evidente que tinha muito o que aprender, mas parecia que os traumas do passado
estavam esquecidos e que, por fim, Claire estava preparada para enfrentar o seu
destino.
O mês de fevereiro tinha sido uns dos mais frios do século.
Muitos trens pararam e nas estradas do interior do país, a neve acumulada
impedia o transporte de carros e ônibus. A energia teve que ser dobrada para o
aquecimento, e os transeuntes nas cidades, corriam para se abrigar em cafés,
restaurantes, ou nas casas. Muitos mendigos de Paris morreram congelados e a
Prefeitura tinha trabalho dobrado colocando sal nas ruas para derreter a neve.
No meio de todo esse ambiente polar, uma mulher jovem,
enfrascada em descobrir uma nova essência, passava as noites em claro na sala
aquecida da casa, lendo e relendo o tradado de Botânica que lhe dera Paul du
Clermont , e o seu caderno de receitas da tribu Tuxá.
“Porção de Canela,
essência leve de Muguet com calêndula, levemente adocicado com alguma fruta
tropical, como manga ou, talvez limão, para dar um frescor”
Assim, seguia anotando e imaginando uma nova essência, algo
que lhe lembrasse os trópicos, a selva brasileira, a correnteza do rio, com a
leveza dos bosques franceses. Desde que fora estimulada por Madame Brigny para
dedicar-se a escrever uma formula e a experimenta-la, Claire Dupont não
descansava até chegar na nova essência. A primeira, “L’Essence D’Assise”, tinha
o frescor das arvores e da madeira francesa com um cheiro de rosas que ela
tinha visto em Saint Assise. Esta devia ser diferente. Esta devia ter algo
especial, algo que explicasse o que ela estava passando neste momento. O
amargor e a tristeza pela morte do amado, a tranquilidade que a presença de
Paul dava à sua vida, a companhia de Madame Brigny, tudo, tudo isso, conjugado
em uma só essência.
Dia após dia, a moça trabalhava com afinco. A rotina era a de
sempre. Aulas de manhã, a tarde trabalhava no laboratório da loja de Margarete
Brigny, sempre acompanhada de Joan, e a noite, após as tarefas da escola,
dedicava-se exclusivamente a criação.
Os meses foram passando, o inverno passou e chegou a
primavera. Como se emergisse de um profundo pesadelo, Claire desabrochou como
uma Muguet do campo. O convite de Paul para voltar a Royat estava em pé, e ela
decidiu ir no finais de abril.
Mas, uma semana antes de viajar à Clermont-Ferrand,
conseguira, por fim, descobrir a essência certa que procurava. Todos estavam
eufóricos, especialmente Madame Brigny, pois a primeira essência de Saint
Assise já era um sucesso e Margarete fora contratada pela Maison Dior para desenvolver
outra para o próximo verão. Pois bem, numa morna noite de abril, na casa de
Claire, todos se reuniram para celebrar o novo produto.
- Bem, entendo que hoje devo dar o nome para esta nova
essência, pensei muito nele, porque é uma mistura de sentimentos encontrados e
desencontrados, de memorias tristes, fortes e serenas ao mesmo tempo – disse
Claire- e de tudo o que elas me provocam e evocam na mente e no coração, optei
pelo nome “NOSTALGIE”, o que acham?
- C’est magnifique! – disse Margarete aplaudindo
- Muito bem minha filha, gostei – disse Gerard sorrindo
satisfeito.
- Muito bem, muito bem – disse Madame Brigny – quero fazer um
brinde à nossa Claire pela sua dedicação, sua inteligência, seu trabalho
esforçado e seu talento. E quero aproveitar este momento para anunciar que, a
partir de agora, a Loja de Perfumes Brigny, tem uma nova sócia: Claire Dupont.
Claire ficou surpresa e muda de assombro. Não podia imaginar
que tão logo, seria uma das donas da perfumaria de Madame Brigny. Sorriu
satisfeita e foi abraçar Margarete.
Todos brindaram felizes. Foi uma noite maravilhosa de
primavera.
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