Assim, quando as tardes ensolaradas a
levava para o rio, Alma encontrava uma espécie de sossego e calma de espirito.
O rio era o seu companheiro, uma companhia que não exigia e que a deixava mais
relaxada e segura. Como quando era menina, Alma se debruçava na lama do rio e
depois de um bom banho, juntava os seus pertences e sentava-se num tronco
olhando para o infinito. Pensava no velho Jabú a quem não via há muitas
semanas. O velho tinha lhe dito que um dia ela iria abandonar a cidade, a
família e os afetos. Ela quase não acreditou nele quando ele disse que um dia,
em breve, partiria para sempre para outros lugares nunca antes imaginados. Ele
lhe disse que a sua vida corria perigo e que era necessário ficar de olho
porque o mal estava por todas partes e a rodeava assim como a sua família.
Aconteceu então, numa noite escura,
sem luar. Alma tinha escutado um barulho estranho vindo dos canaviais. Parecia
algo esganiçado e, no começo ela achou que fosse algum animal vizinho, mas
depois percebeu que pareciam vários passos. Eram passos que se aproximavam da
casa. Os pais e o irmão estavam dormindo. Damião tinha vindo jantar essa noite
e resolveu ficar para pernoitar.
Alma levantou-se devagar e olhou pelo
buraco que tinha ao lado da janela. O que viu fez com que o seu sangue lhe
congelara nas veias. Três homens com armas em punho se aproximava lentamente da
casa. Ela então, percebendo o perigo foi acordar os pais e o irmão. Mas não
houve tempo para reagir. Os tiros começaram a ser escutados por cima do telhado
e pelas paredes da casa. Damião tentou correr até a pequena cozinha mas a porta
da sala fora arrombada e um tiro o fez cair bem aos pés da mãe. O seu Rubião
conseguir pegar a arma do quarto e começou a revidar. Ele gritou para Alma se
esconder no quarto, mas a moça, num momento de desespero, pegou a mãe pelo
braço e o levou até a cozinha. Nesse momento, os assassinos entraram pela sala
e mataram o pai que estava na porta do quarto. Alma e a mãe atravessaram a
porta traseira da casa e correram para o pátio e se esconderam no mato. Dadá
estava muda de espanto quando viu que a casa dela estava sendo queimada. Não
podia gritar, não podia pronunciar uma só palavra. Ficara muda. Alma a levou
até a trilha que levava ao rio e ali ficaram. De repente o silencio. Tudo
estava silencioso e um cheiro de fogo e morte tomava conta do ambiente. As duas
mulheres se abraçaram com força e a filha começou a chorar. Ela então escutou
que os homens vinham entrando na trilha e, pegando a mãe pelo braço a escondeu
no mato. No meio das folhagens, a moça viu os homens que procuravam por ela até
a beira do rio. Pouco depois, eles partiram. Tudo ficou em silencio e na mais
lúgubre escuridão. O pesadelo ainda estava por começar.
Alma esperou um bom tempo, a mãe
dormiu nos seus braços sem falar nada. Alma observara que a mãe parecia dormir
serena e sentiu um leve alivio. Menos mal, pensou. Pelo menos o desespero ainda
não havia chegado.
Alma perdera a noção da hora. Quase
ao amanhecer, quando o cheiro do fogo ainda pairava no ar, olhou para o rio e
viu um pequeno bote que se aproximava da outro ribeira. Tinha alguns índios
nele e Alma, que ao amanhecer tudo ficara mais claro, percebeu com alivio e
lágrimas que o velho Jabú estava nele.
Tentou acordar a mãe, mas Das Dores
Rocha não acordou. Ela percebeu com um grito de espanto que a mãe tinha morrido
enquanto dormia.
Levantou-se com um peso que não podia
carregar. Estava exausta, estava sem folego, estava no meio do maior pesadelo
da sua vida. Sentou-se no chão e começou a chorar como uma criança. O velho
Jabú se aproximou e a abraçou. Ela, simplesmente, desmaiou nos seus braços.
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