segunda-feira, 24 de março de 2014

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAP.III PARTE VII)


Na ribeira norte do rio Moxotó, três pequenos botes lotados de índios remavam rapidamente. A alvorada anunciava o preludio de um amanhecer cinzento e muito estranho. Coisas terríveis se passaram naquela noite para a família Rocha, e no primeiro bote, uma menina de olhos vazios, descabelada pelo horror, assombrada pela dor, olhava para o horizonte sem olhar. Nas suas costas, a presença do velho Jabú era a seu único consolo. O velho a segurava pelo braço enquanto ela, tinha no colo a sua mãe morta. De longe, parecia que a menina, de apenas dezesseis anos, contemplava o rio de maneira ausenta. Parecia que ela estava pensando em tudo o que tinha acontecido. Parecia que ela tinha aceito tudo com resignação. Tudo parecia calmo e em silêncio. Mas, para um observador mais aguçado, via-se nos olhos dessa menina tão jovem uma mistura de horror e de dureza. Uma dureza que ainda não tinha cobrado forma, nem força, mas que no fundo, parecia ser de ferro frio e ameaçador. No fundo desse olhar de quem acabava de passar uma tragédia familiar, crescia uma personalidade dura, rude e vingativa. Era assim que a inocência da jovem Alma, quase uma criança, transformara-se lentamente em um escudo de ferro e fogo.

Os três botes chegaram perto de um escampado e ali pegaram o corpo de dona Das Dores e a enterraram. Alma colocou uma pequena cruz feita de galhos, feito pelos índios e, após um breve silêncio, a sua mãe jazia na terra de onde tinha nascido. O velho Jabú olhou ternamente para a moça. Ela, após olhar para o rio, disse quase com ronquidão:

- Me leva com você Seu Pajé. Não quero mais ficar aqui. Tudo o que era daqui quero esquecer para sempre. Quero viver outra vida.

O velho Pajé a abraçou e disse confiante:

- Sim minha filha, vamos. Mas um dia você deverá voltar para esta terra. Ainda deve resolver muitas questões, e isso será o seu destino.

Alma e os outros índios seguiram a pé por uma trilha. O amanhecer tinha começado. O sol não demoraria em aparecer. Do outro lado do rio, uma pequena coluna de fumaça preta indicava que algum incêndio tinha acontecido. As lavaredas deram passo a uma pequena fumaceira. Tudo tinha acabado. Tudo. Mas para Alma Rocha ainda não.

Inajá acordara com o espanto da tragédia da família Rocha. A notícia chegou a todas as casas. Um destacamento policial foi enviado para a casa de seu Rubião e sua família e encontrou ruinas. Até os canaviais ainda ardiam e um mutirão de vizinhos ajudaram a controlar o fogo. A tragédia fora terrível e deixou a cidade muda de horror e de medo. O Prefeito da cidade, parecendo surpreso com a notícia, notificou imediatamente à Recife. No final da tarde, um grupo de policias chegaram da capital junto com o Juiz para investigar o caso. Todos ficaram horrorizados quando foram achados os esqueletos no meio das ruinas. Ao parecer, todos tinham morrido no incêndio. Os esqueletos de dois homens (já ninguém tinha dúvidas que pertenceriam a Seu Rubião e o seu filho mais velho) foram levados ao Instituto Médico Legal de Recife para sua investigação. Todos se perguntavam onde estavam os ossos de Maria das Dores e de sua filha Alma.

Os irmãos Malta, Genésio e Teodoro, vieram de Recife no dia seguinte e após o primeiro estado de choque, dedicaram-se a tramitar todas as questões jurídicas. Ainda faltavam achar o corpo da mãe e da filha, mas até elas serem declaradas mortas, os irmãos Malta ficaram encarregados da custódia do Posto e das terras que pertenciam à família da irmã.

Mas parecia que alguém estava aliviado, o Coronel Bezerra. Do seu escritório na Prefeitura de Inajá viu como as investigações policias não davam em nada. Não se achavam os culpados do incêndio e do homicídio e, por tanto, nada restava da família que ousava desconfiar dos Bezerra no lamentável homicídio de Augusto Tristão. Damásio Bezerra sorria satisfeito. Um grande obstáculo fora removido do seu caminho. Tudo parecia voltar a como era antes. Mas, e se Dadá e Alma estivessem vivas? Isso o deixava apreensivo. Isso seria terrível para o futuro de sua família. Ajeitou-se na cadeira e fumou um cachimbo. De qualquer forma, escreveria para o seu único filho, Gerônimo. Após as investigações, ele deveria voltar para o Brasil.

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