Na ribeira norte do rio Moxotó, três
pequenos botes lotados de índios remavam rapidamente. A alvorada anunciava o
preludio de um amanhecer cinzento e muito estranho. Coisas terríveis se
passaram naquela noite para a família Rocha, e no primeiro bote, uma menina de
olhos vazios, descabelada pelo horror, assombrada pela dor, olhava para o
horizonte sem olhar. Nas suas costas, a presença do velho Jabú era a seu único
consolo. O velho a segurava pelo braço enquanto ela, tinha no colo a sua mãe
morta. De longe, parecia que a menina, de apenas dezesseis anos, contemplava o
rio de maneira ausenta. Parecia que ela estava pensando em tudo o que tinha
acontecido. Parecia que ela tinha aceito tudo com resignação. Tudo parecia
calmo e em silêncio. Mas, para um observador mais aguçado, via-se nos olhos
dessa menina tão jovem uma mistura de horror e de dureza. Uma dureza que ainda
não tinha cobrado forma, nem força, mas que no fundo, parecia ser de ferro frio
e ameaçador. No fundo desse olhar de quem acabava de passar uma tragédia
familiar, crescia uma personalidade dura, rude e vingativa. Era assim que a
inocência da jovem Alma, quase uma criança, transformara-se lentamente em um
escudo de ferro e fogo.
Os três botes chegaram perto de um
escampado e ali pegaram o corpo de dona Das Dores e a enterraram. Alma colocou
uma pequena cruz feita de galhos, feito pelos índios e, após um breve silêncio,
a sua mãe jazia na terra de onde tinha nascido. O velho Jabú olhou ternamente
para a moça. Ela, após olhar para o rio, disse quase com ronquidão:
- Me leva com você Seu Pajé. Não
quero mais ficar aqui. Tudo o que era daqui quero esquecer para sempre. Quero
viver outra vida.
O velho Pajé a abraçou e disse
confiante:
- Sim minha filha, vamos. Mas um dia
você deverá voltar para esta terra. Ainda deve resolver muitas questões, e isso
será o seu destino.
Alma e os outros índios seguiram a pé
por uma trilha. O amanhecer tinha começado. O sol não demoraria em aparecer. Do
outro lado do rio, uma pequena coluna de fumaça preta indicava que algum
incêndio tinha acontecido. As lavaredas deram passo a uma pequena fumaceira.
Tudo tinha acabado. Tudo. Mas para Alma Rocha ainda não.
Inajá acordara com o espanto da
tragédia da família Rocha. A notícia chegou a todas as casas. Um destacamento
policial foi enviado para a casa de seu Rubião e sua família e encontrou
ruinas. Até os canaviais ainda ardiam e um mutirão de vizinhos ajudaram a
controlar o fogo. A tragédia fora terrível e deixou a cidade muda de horror e
de medo. O Prefeito da cidade, parecendo surpreso com a notícia, notificou
imediatamente à Recife. No final da tarde, um grupo de policias chegaram da
capital junto com o Juiz para investigar o caso. Todos ficaram horrorizados
quando foram achados os esqueletos no meio das ruinas. Ao parecer, todos tinham
morrido no incêndio. Os esqueletos de dois homens (já ninguém tinha dúvidas que
pertenceriam a Seu Rubião e o seu filho mais velho) foram levados ao Instituto
Médico Legal de Recife para sua investigação. Todos se perguntavam onde estavam
os ossos de Maria das Dores e de sua filha Alma.
Os irmãos Malta, Genésio e Teodoro,
vieram de Recife no dia seguinte e após o primeiro estado de choque,
dedicaram-se a tramitar todas as questões jurídicas. Ainda faltavam achar o
corpo da mãe e da filha, mas até elas serem declaradas mortas, os irmãos Malta
ficaram encarregados da custódia do Posto e das terras que pertenciam à família
da irmã.
Mas parecia que alguém estava
aliviado, o Coronel Bezerra. Do seu escritório na Prefeitura de Inajá viu como
as investigações policias não davam em nada. Não se achavam os culpados do
incêndio e do homicídio e, por tanto, nada restava da família que ousava
desconfiar dos Bezerra no lamentável homicídio de Augusto Tristão. Damásio
Bezerra sorria satisfeito. Um grande obstáculo fora removido do seu caminho.
Tudo parecia voltar a como era antes. Mas, e se Dadá e Alma estivessem vivas?
Isso o deixava apreensivo. Isso seria terrível para o futuro de sua família.
Ajeitou-se na cadeira e fumou um cachimbo. De qualquer forma, escreveria para o
seu único filho, Gerônimo. Após as investigações, ele deveria voltar para o
Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário