terça-feira, 6 de julho de 2010

O CASARÃO (I)

Firme como uma rocha ele é testemunha do tempo. As cores desbotaram através das décadas e do tempo perdido, mas ele continua ali. É o casarão da rua Cubatão. O casarão da dona Maria de Fátima, da dona Maria da Conceição, da dona Vitória.Três mulheres, três mistérios. Décadas de passado outrora glorioso e dourado e agora envolto na névoa do tempo e da pobreza.
A cor quase cinza das suas paredes me faz pensar que nem sempre foi assim. Teve os seus dias de glorias, o seus dias áureos.
Tudo começou no começo do século XX...Na rua Libero Badaró morava uma moçoila tão bela e loira quanto o sol de verão. Olhos verdes que lembravam o mar. Maria de Fátima era tão bela que todos os jovens, incluindo os estudantes de direito da São Francisco estavam loucos de paixão e de arrebato por ela. Maria de Fátima costumava ficar na sacada do andar de cima, onde embaixo o seu pai, um português emigrante, tinha uma padaria muito grande e de fama notável. Era uma das padarias mais famosas do centro de São Paulo da época.
Seu Joaquim da Conceição ficara viúvo quando a sua única filha tinha só dez aninhos. Agora, já moça, era o seu único tesouro, dizia ele para os amigos. É que Maria de Fátima era uma formosura. Os amigos do Seu Joaquim perguntaram para ele se a filha tinha pretendentes, mas ele logo dizia “Ainda não apareceu alguém a altura, todos são beberrões, estudantes sem futuro, viúvos devassos, não...a minha filha há de casar com um cavalheiro.
Assim Maria de Fátima suspirava esperando o eterno príncipe.
Quando chegou o aniversário número dezoito, ela conheceu um jovem emigrante alemão, jovem médico de vinte e oito anos, recém contratado pela Universidade de São Paulo. Ele veio sozinho. Os pais tinham ficado na sua Munique natal e o jovem branco, cabelo cor de cobre e olhos azuis ao passar pela rua viu a donzela na sacada e se apaixonou.
Gustav era o nome dele. Gustavo era o nome que ela aprendeu a chamá-lo quando se encontraram por segunda vez na padaria do pai. Gustavo comprava pão fresco no seu Joaquim todos os dias antes de tomar o bonde para ir a universidade. Certa manhã, Maria de Fátima estava na padaria e eles começaram a falar.
No começo, seu Joaquim não gostou nada da idéia. Gustavo Müller apesar de médico era só um imigrante com um “empreginho” na universidade, dizia ele. E o seu Joaquim esperava ainda um cavalheiro. “Nada de estrangeiros, basta eu” dizia com ênfase.
Gustavo Müller começou a aparecer na padaria duas, três vezes ao dia, só para ver a Maria de Fátima. Estava apaixonado, loucamente apaixonado. Um dia mandava flores para a amada, outro dia chocolates, sempre esperando por um sorriso da moça. Ela, no principio se manteve distante e desconfiada, depois começou a gostar dos galanteios do moço estrangeiro que tinha um par de olhos mais belos que ela já vira.
Mas seu Joaquim ainda se negava. Uma manhã, o jovem entrou na padaria e pediu falar com o pai da moça. Ele escutou o rapaz mas negou o pedido dele de ter a sua permissão para visitar Maria de Fátima.
Ela deveria esperar por um cavalheiro. Insistia o pai.
Os meses passaram, o ano passou...Gustavo não desistia. Até que ele resolveu comprar uma chácara lá nas bandas de Vila Mariana, longe do centro, quase perto do ponto final do bonde. Lá fez uma horta, comprou uma vaca, dois cavalos e gostava de passar os finais de semana para relaxar e pensar em Maria de Fátima. Assim passaram-se dois anos. A moça continuou solteira, continuou esperando pelo cavalheiro.
Nesse tempo, Gustavo foi promovido na universidade a vice reitor da faculdade de Medicina. Os tempos mudaram. Ele decidiu então construir uma casa, um casarão no sitio na Vila Mariana.
Ele mesmo, com ajuda de um amigo arquiteto recém chegado da Itália, desenhou a casa, Devia ser linda, grande, arejada, rodeada de árvores. Ele queria morar ali um dia com a sua amada Maria de Fátima.
Mas enquanto Gustavo construía o casarão, Maria de Fátima ficou noiva de um cavalheiro pertencente a uma tradicional família paulista, filho de fazendeiros que morava na recém inaugurada e elegante avenida paulista. O futuro de Maria de Fátima, ao parecer estava garantido.
A tristeza e a depressão de Gustavo aumentavam nesses escuros meses de inverno de 1907, mas a obra do casarão continuava.
Mas as obras da casa do Gustavo foram suspensas abruptamente quando ele resolveu viajar e passar férias na Europa. Naquele tempo o velho continente passava pela “belle epoc” e o nosso jovem médico resolveu tentar curar as feridas de amor em uma longa viagem. Até pensou em ficar por lá...Mas não podia. Depois de três meses de férias, no começo do ano seguinte Gustavo voltou para o Brasil.
Foi então que soube a tragédia que tinha acontecido. O noivo da Maria de Fátima morreu a conseqüência de uma terrível infecção dos pulmões. Maria de Fátima caiu em desgraça antes de ser mulher casada.
O amor do Gustavo pela moça continuava grande e forte. Ele esperou um tempo prudencial, continuou as obras do Casarão da Vila Mariana e quando o terminou no começo de 1909, foi visitar a Maria de Fátima.
A estas alturas o seu Joaquim já estava resignado a deixar a filha falar com o médico alemão. E assim , aos poucos, Gustavo conquistou o coração da moçoila de olhos verdes.
No verão desse mesmo ano se casaram e Gustavo levou a sua esposa para o Casarão.

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