Quando Maria de Fátima entrou no casarão a sua alegria foi imensa. Nem de longe tinha imaginado a beleza da grande casa. O casarão era cor de creme, de dois andares. As janelas superiores tinham sacada. Na frente tinha um pequeno pomar. No meio das árvores e flores de um jardim quase feérico, a entrada da casa era soberba. O salão principal era iluminado por grandes janelas.Um escritório com biblioteca exibia livros que Gustavo trouxera da Europa. Uma grande sala de jantar e a cozinha bem estruturada completavam o ambiente. Uma escada levava ao andar superior. Três quartos alinhados com um banheiro no meio. Um corredor levava até uma pequena sala que tinha uma sacada com vista ao quintal. De lá podia ver-se a casa dos empregados, o quintal, a horta e o pomar dos fundos. A casa respirava alegria. Sim, pensou Maria de Fátima, aqui podia ser feliz.
Os moveis do casarão vieram da Europa. A essas alturas o Dr. Müller já era um médico com fama e reputação em toda a cidade. Abrira um consultório particular na rua 15 de novembro e continuava as atividades acadêmicas.
Meses depois, Maria de Fátima ficou grávida.
A dona do casarão, a mulher do doutor era a alma da casa. Grávida, ficara ainda mais bela e ela adorava o seu jardim que ao pouco tempo de casa já era visto como um dos mais belos da região da vila mariana. Durante duas a três horas no período da manha, Maria de Fátima cuidava pessoalmente do seu jardim. Quando o marido chegava ela o esperava ansiosa para ouvi-lo falar do seu dia, do seu trabalho.
Quando as dores do parto chegou o Dr. Müller esteve ao lado da mulher. Depois de varias horas nasceu um pequeno bebe de quase três kilos. O primeiro filho de Gustavo e Maria de Fátima era uma menina que recebeu o nome de Maria da Conceição.
Quando a dona do casarão se recuperou do parto a felicidade do casal atingiu os mais altos níveis de carinho, afeição mutua e compreensão. Maria de Fátima cuidava do bebe como cuidava do jardim. Quando a pequenina fez um ano, Gustavo decidiu tirar umas longas férias com a mulher e a filha e viajaram para Europa. Esta viagem foi decisiva para Maria de Fátima. Alem de conhecer a família do marido, algo começou a mudar na sua vida. Percebeu que o movimento feminista na Alemanha do Kaiser estava bem adiantado e ela começou a se informar sobre este fenômeno social que no Brasil era insignificante ou quase nulo.
Quando voltaram Maria de Fátima engajou-se no movimento feminista. Começou a organizar reuniões no casarão e assim a corajosa mulher do Dr.Müller transformara-se no pilar do movimento pelos direitos da mulher em São Paulo.
Nem a segunda gravidez da dona do casarão dois anos depois do nascimento da Maria da Conceição agora chamada Ceci pela família, nem o cuidado da filhinha, nem o seu jardim privaram a Maria de Fátima de organizar reuniões com mulheres no casarão. Organizavam jantares, mandavam imprimir panfletos e formavam grupo de mulheres que visitavam regularmente ás autoridades para conseguir os seus objetivos.
O segundo filho do casal foi um menino muito bonito, de bochechas rechonchudas chamado Carlos Gustavo.
Agora o casarão contava com mais um membro na família. A felicidade era invejada por todos.
O tempo foi passando e a região da vila mariana começou a ser habitada. As antigas granjas e sítios deram lugar a casas de finais de semana. A linha do bonde se estendeu para o sul na região de Santo Amaro. A estas alturas a mulher do Dr. Müller organizava não só jantares e reuniões mas também oferecia bailes que pouco a pouco ficaram famosos na cidade. O interesse pela residência “fora da cidade” dos Müller aumentava no círculo social da cidade.
Quando tudo parece estar no lugar, a vida surpreende a qualquer pessoa. A vida nunca é nem demasiado tranqüila nem demasiado trágica, mas ela nos prega, as vezes, momentos decisivos, intensos e difíceis e só nos resta enfrentá-los com coragem, determinação e inteligência.
O pequeno Carlinhos era um menino sadio, travesso e inquieto. Quando fez quatro anos era um “enfant terrible” e os empregados da casa estavam sempre preocupados com as brincadeiras ousadas demais do menino. Uma vez abriu as portas do galinheiro e com um pau na mão espantou todas as galinhas que correram para fora da casa. Os empregados tiveram trabalho em recolher todos os animais para dentro da casa. Os pais tentavam controlá-lo , mas cada vez mais era difícil essa missão.
Um certo dia, Carlinhos brincava na sacada do andar superior do casarão quando escorregou e caiu sobre o caminho de paralelepípedos da entrada da casa. Teve uma hemorragia cerebral e morreu antes de chegar ao hospital.
A tragédia que se abateu no casarão deixou a família totalmente desnorteada. Pela primeira vez a morte com o seu mistério presente e aterrorizante chocou a todos que conheciam os Müller. Mas os pais eram ainda jovens, a menina saudável e tudo parecia garantir que Maria de Fátima poderia ficar grávida. Mas não aconteceu. Não por desejo dela, mas porque, pouco tempo após a morte do filho Gustavo Müller começou a apresentar sinais de fraqueza, tristeza e depressão. Uma noite de agosto, com as janelas abertas do pequeno escritório Gustavo estava lendo uma enciclopédia de medicina e fazendo anotações. Sentiu cansaço e adormeceu sobre o livro. Não acordou mais.
Desta vez Maria de Fátima teve que encontrar todas as forças do mundo para criar sozinha a pequena Ceci que agora tinha sete aninhos. A pequena órfã de pai de repente se sentiu sozinha no casarão, sem pai, sem irmão...
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