sábado, 17 de maio de 2014

ALBERTO (CONTO)



Alberto era um menino tranquilo e todos o consideravam um anjo. Na escola era o coleguinha mais querido da turma, em casa, por ser o filho mais velho, era sempre o que cumpria todos os afazeres que os pais lhe ordenavam. O pequeno Alberto era, sem dúvidas, um menino modelo.
O menino era magrinho, baixinho, de enormes olhos escuros e um sorriso bonito. Sempre obediente e brincalhão. Adorado pela família, era considerado um camarada do bem pelos coleguinhas de escola.
Uma quarta feira de outono, Alberto acordou bem cedo para ir à escola. Vestiu-se rapidamente, tomou o café da manhã, beijou a mãe e caminhou dois quarteirões até a escola pública onde estudava o terceiro ano do primário.
O céu estava azul, era o azul de outono, a brisa fresca e suave lhe beijava o rosto. Alberto chegou ao grande portão de entrada e conversou com alguns colegas de aula. Por um momento, só por um momento teve uma estranha impressão. Um arrepio tomou conta do seu peito, não sabia por que e o que seria. Só sentiu. De repente, fechou os olhos e por um segundo veio à sua mente toda a sua curta vida. Tinha só oito anos, e sempre pensou na brevidade da vida.
As imagens do passado afluíram na sua mente. Lembrou-se da vovó Maria e os seus doces de chocolate, do irmão bebê que hoje tinha dois anos; lembrou do primeiro dia de aula no pré primário e que parecia ter acontecido há muitos anos, lembrou, em fim de todos os seus aniversários e de suas férias na praia com a sua família.
A praia. A última vez que esteve na praia foi no ultimo verão. O céu límpido e cristalino, as ondas brancas beijavam a praia, e ele se viu nadando na beira do mar com o seu pai e seu pequeno irmão Zezinho. Sentiu o aroma salino da água e quase tinha esquecido o canto das gaivotas. Aquele dia foi memorável e ele nunca esqueceu. Imaginou o céu como uma grande praia de céu azul e ondas brancas. Imaginou sereias e peixes amigáveis que vinham até a superfície para nadar com os banhistas. Nunca esqueceu essa sensação de liberdade.
A liberdade era para o pequeno Alberto um sonho profundo de alegria, de não pensar nas tarefas da escola, de não ter que ajudar em casa, de ficar sem fazer nada, somente fechar os olhos numa praia deserta e ouvir o barulho do mar e o canto das gaivotas. A liberdade plena era aquele estado em que ele se sentia leve e imensamente feliz.

Essa quarta feira não era um dia normal, parecia ser, mas não era. Alberto, ao acordar ouviu uma gralha cantando bem perto da janela do quarto. Nunca ouvira cantar uma gralha. Ficara assustado e encantado ao mesmo tempo.
Susto e encantamento podem provocar uma sensação maravilhosa de estado de graça, mas também podem provocar medo, talvez um medo ao desconhecido, medo do que possa acontecer, a nos mesmos ou aos outros. Será que a gralha cantava por causa do avô doente?, pensou, enquanto vestia o uniforme para ir a escola.
De qualquer forma, continuou a sua rotina infantil de sempre. O irmãozinho tomando mamadeira nos braços da mãe quando ele descera para o café. Após se servir café com leite, pão e manteiga, mel e suco de frutas, Alberto beijou a mãe e foi para a escola que ficava umas quadras de casa.
Ao atravessar a avenida, levou um susto. Um carro desgovernado (talvez perdeu a direção) quase o atropelou. Ele esquivou-se por pouco, e o carro bateu numa arvore a escassos metros dele. Alberto atravessou a avenida e foi para a escola com a sensação de que escapara por pouco. Primeiro a gralha cantando pensou, agora o acidente. Bem, espero que o dia melhore.
E pareceu melhorar. Essa quarta-feira de finais de março fora muito especial. Na hora do recreio, brincou com o seu melhor amigo, o Dudú. Brincar com Dudú era um prazer na escola. No recreio, os dois meninos costumavam subir algumas arvores perto do campo de futebol onde aconteciam as aulas de ginástica. Também brincavam de esconde-esconde por trás das grandes colunas do auditório. Uma vez eles se perderam no porão do teatro infantil e foi difícil achar a saída, mas o episodio foi celebrado pelos dois com muita gargalhada. Alberto não esqueceu o dia em que caiu de umas das arvores e quebrou o braço esquerdo. Isso foi no ano passado. Dudú ficou com ele no hospital. As mães dos meninos eram amigas intimas, e as duas famílias moravam perto uma da outra. Nos aniversários infantis das crianças eles se ajudavam nos preparativos. Dudú fazia aniversário no inicio de março e Alberto no final de outubro.
Pois bem, nessa quarta-feira, Dudú notou algo estranho no rosto do amigo. Ele estava distante e um pouco pálido, parecia preocupado. Quando Alberto contou o episodio da gralha e do acidente na rua que vira ao vir para a escola, Dudú deu uma risada e disse que isso acontecia quase sempre. O fato é que Alberto parecia não poder esquecer esses fatos.
Chegou a hora da saída. Alberto e Dudú foram para casa juntos. Despediram-se como sempre.
No período da tarde, a mãe de Alberto se preparou para ir a Missa. Tinha combinado com sua mãe, a vovó Maria, de irem juntas rezar pela saúde do pai, o vovô Luis. Ela saiu às quatro e meia buscar a mãe. A igreja era perto.
O pequeno Alberto acabara de fazer a lição da escola exatamente às quatro e quarenta e cinco. Lembrou que tinha que ir até a loja do pai, do outro lado da rua, e depois de ver se o irmãozinho estava dormindo, avisou a empregada que sairia para falar com o pai e voltaria logo. A empregada só limitou-se a dizer para tomar cuidado ao atravessar a rua, já que nessa hora o transito era terrível. Alberto olhou para ela e sorriu para depois abrir o portão e desaparecer em direção à avenida.
Às quatro e cinquenta e cinco, Alberto esperou o sinal abrir para atravessar a avenida. Como já dissera a empregada o trafego era pesado. Poucos segundos antes de abrir o sinal, pareceu ouvir a voz do seu amiguinho Dudú falando alguma coisa sobre ir ao circo no final de semana. Alberto virou a cabeça tentando ver o Dudú em algum lugar da rua, mas sem sucesso, parecia estar em algum outro lugar, um parque, um jardim, ou simplesmente brincando com o amigo. Nesse momento, percebeu que já estava no meio da avenida e uma caminhonete apareceu diante dele. Depois um grito e tudo ficou escuro.
Os acontecimentos que se sucederam nesse momento foram rápidos como a vida mesma. Dudú estava tomando café com os irmãos quando viu a mãe chegar com o rosto pálido e assustado. Ela disse que ouviu alguma noticia ruim e precisava se trocar. Dudú não entendeu nada. Minutos depois, viu a mãe sair depressa e falou para ele ficar com os irmãos e não ligar a TV nem a radio. Era um mal sinal.
A Missa acabou as cinco e quarenta e cinco, quando na porta da Igreja, o tio de Alberto apareceu para buscar a irmã e a mãe. As duas desmaiaram ao saber da noticia. O pai de Alberto ouviu o estrondo e saiu correndo da loja para ver um menino estendido no chão, coberto de sangue. Sem saber que era seu filho, correu para prestar socorro e o mundo desabou ao perceber que se tratava do seu menino.
Quando a mãe do Dudú voltou com o pai às oito da noite, conversaram com ele e contaram que o pequeno Alberto tinha morrido em acidente ao tentar atravessar a avenida. Dudú olhou o relógio. Eram as vinte e cinco dessa quarta-feira. O menino não disse nada, simplesmente entrou no seu quarto e apagou a luz. Ficou na escuridão. Fechou os olhos e viu-se no quintal da escola brincando com Alberto. E como Alberto estava feliz correndo e trepando as arvores mais altas!. Por um momento, Dudú também sorriu. Amanha seria outro dia, pensou ele. E, isto é só um pesadelo. Alberto vai estar amanhã na escola.
Mas o amanhã chegou e na escola, a Professora Beth entrou na classe e avisou a todos que o “nosso colega Alberto” havia falecido e que todos iríamos ao velório daqui a pouco. Dudú fechou os olhos novamente. O pesadelo não acabara; só começara.
Pela primeira vez, Dudú experimentou o terrível sentimento de perder um ser querido.
F    I   M

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