Eduardo sempre foi um jovem bom, sereno, calmo, tranquilo e
com muita sorte na vida. Morando numa cidade grande como São Paulo, sempre
aproveitava a cidade onde nasceu e cresceu com muita confiança. Nascido na Vila
Mariana, bairro de classe media de Sampa, Eduardo estudou Administração de
Empresas na USP e começara a trabalhar desde cedo. Primeiro, num grande banco
nacional, depois uma empresa multinacional.
Aos vinte e nove anos, Eduardo, esportista, corredor, e
amante da natureza e dos animais, era por certo um jovem promissor. Tinha
muitos amigos, bons amigos, e gostava de viajar. Trabalhava muito, como todo
bom paulistano e tinha uma elegância e uma simpatia que atraia as mulheres. Não
era mulherengo, mas também não passava muito tempo sem namorar. Era um jovem
alegre, divertido e muito agradável, tudo o que se podia esperar de um jovem de
futuro.
Eduardo tinha outro diferencial comparado aos seus amigos,
colegas e conhecidos: ele nunca fora assaltado ou roubado. Costumava tomar muito
cuidado, isso era verdade, mas às vezes, chegava tarde em casa após uma balada
e nunca sofrera nenhuma violência. Todos diziam que era um homem de sorte.
Com o temperamento tolerante, não passivo, Eduardo nunca
sentira raiva, ódio e também nunca sentira a experiência de pedir perdão. Tudo
na vida era como um rio tranquilo.
Uma noite, Eduardo foi a um aniversario numa boate da Vila
Madalena. Era o aniversário de Paulo, um dos seus melhores amigos. Lá ele
encontrou-se com todos os colegas de trabalho, amigos e conhecidos, todos
formavam uma turma alegre e muito brincalhona. Ele bebeu, dançou, conversou e
quando percebeu, já tinha passado das três da manhã.
Dirigiu-se então até o caixa e pagou a conta com cartão de
crédito.
Ao chegar em casa, como estava muito cansado, dormiu
pesadamente. Ao acordar, tomou o café da manha e percebeu depois que o cartão
de credito tinha sumido. Procurou por toda a casa, debaixo da cama, entre as
roupas que tinha usado na noite anterior, em fim, cansado, decidiu ligar para o
banco e cancelar o cartão, e depois foi até a delegacia de Policia fazer o
boletim de ocorrência.
Horas mais tarde, recebeu um telefonema do banco informando
que o cartão de credito havia sido usado na noite anterior por um valor de
R$2000 (dois mil reais). Bem, o Eduardo, assim como muitos cidadãos
brasileiros, não confiavam muito na policia, então ele resolver ligar para o
bar onde tinha ido na noite anterior e informou o roubo do cartão para o
gerente do local. Eles disseram que fariam uma investigação entre os
funcionários e que depois entrariam em contato.
Ele ligou novamente ao banco informando o fato. O banco disse
que esperaria as quarenta e oito horas para devolver o dinheiro do cartão de
credito. Eduardo suspirou e tentou não entrar na onda de desconforto e de
raiva. Fatos como esse, infelizmente aconteciam diariamente na cidade. Cartões
eram clonados, roubados, em fim, decidiu esquecer o episodio.
Eis então, que recebeu outro telefonema do gerente do bar,
pedindo a que ele fosse imediatamente para lá porque tinham encontrado, não só
o cartão, como também a pessoa que tinha roubado. Eduardo ficou alarmado. Nunca
tinha passado por isso e ficou com sentimentos desencontrados. E se o ladrão o
ameaçasse?, e se queria se vingar dele?.
Enquanto se dirigia ao bar, não parava de pensar em tudo o
que estava acontecendo. Será que o ladrão era funcionário do bar? Essa seria a
única explicação que encontrou na sua mente. Era uma situação difícil para ele.
Nunca tinha vivido algo assim. Lembrou-se de um documentário que tinha visto
pela TV havia alguns anos. Uma senhora idosa teve o seu filho morto por um tiro
nas mãos de um assaltante na casa onde moravam, no interior de São Paulo. O
rapaz era único filho desta mulher que, após meses de dor, sobreviveu graças ao
perdão. Ela visitou o assassino do filho na prisão e o conheceu melhor. Soube
então das condições de vida do homem, os traumas do passado, a família
desintegrada que tivera, e especialmente as drogas em que se metera. As drogas
o levaram ao crime, e o pior crime que cometera foi tirar a vida do filho único
desta mulher. Ele se arrependeu e pediu perdão a ela, e ela o ajudou a sair da
prisão, não só o perdoou. Neste caso, acontecera o perdão, mas não a justiça
pois a mulher não poderia recuperar o filho perdido. Absorvido nesses
pensamentos, Eduardo meditou o que tinha acontecido com ele. Agora ele estava
indo encontrar-se com o ladrão,e isso o incomodava muito já que não sabia o que
dizer ou fazer.
Assim que chegou ao local, foi conduzido pelo próprio gerente
ate uma sala pequena. Assim que entrou, reconheceu o garçom do bar, e outras
duas pessoas desconhecidas. O gerente foi quem quebrou o silencio:
- Senhor Eduardo Milani, aqui está o seu cartão, e aqui está
a pessoa que o roubou. Infelizmente é um de nossos funcionários. O senhor
decidirá se quer ir a policia denuncia-lo. Aqui estão os dois mil reais
roubados – disse entregando um envelope com um maço de dinheiro vivo.
Eduardo ficou olhando para o garçom, que começou a chorar.
Disse que não era a sua intenção rouba-lo, mas que tinha problemas em casa, um
filho doente, o salário era baixo, etc, etc. Eduardo o olhou estarrecido.
Em primeiro lugar, não sentiu pena do garçom, afinal de
contas, todo este desconforto e incomodo eram culpa dele. Depois de uns
minutos, observou o rosto de desespero do garçom. Era obvio que iria ser
despedido, iria perder o ganha pão. E pensou: “É se ele estivesse falando
sério?”.
Finalmente, após um breve silencio, Eduardo disse:
- Senhores, tudo bem. Não vou denuncia-lo. Eu fiz o B.O. pela
perda do cartão, mas não vou dar seguimento ao caso. Por mim, está tudo
resolvido.
Enquanto dirigia para casa, pensou em tudo o que tinha
acontecido. Pela primeira vez, vivenciou algo quase miraculoso: O perdão e a
justiça. A justiça se fez porque ele recuperara o que era seu por direito, e o
perdão ele ofereceu pela primeira vez a alguém que estava pedindo.
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