Martine Deveraux era uma estudante da
Sorbonne, que aos vinte e dois anos era considerada uma das alunas mais
brilhantes de botânica quando o jovem Gerard de vinte e três a conheceu. Ele
estudava biologia e estava no último ano. Uma noite de abril, na escadaria leste
do teatro, Gerard chegava atrasado para uma peça de Monsieur Gentile sobre a
Revolução Francesa. Ele sentou ao lado da moça loira e olhos azuis que sorriu
quando ele perguntou se podia se sentar ao seu lado.
Nenhum dos dois poderia imaginar que
era o preludio de uma história de amor. Gerard e Martine começaram a namorar, e
depois de formados e trabalhando juntos na Universidade, ele no departamento de
pesquisas biológicas e humanas, e ela como professora da cátedra de Botânica
Elemental do primeiro ano, decidiram se casar. O pedido fora feito após sete
meses do primeiro encontro naquela noite no teatro da Universidade. Um dia frio
de novembro num café da Rue Valette, Gerard a pediu em casamento. A partir
desse momento, nunca mais se separaram.
Alugaram um pequeno apartamento perto
da Universidade, na Rue Racine, e portanto muito perto dos Jardins de
Luxemburgo, onde costumavam fazer piquenique quando fazia bom tempo. Adoravam
Paris. Martine havia nascido em Marselha mas veio morar na capital desde os sete
anos. Moravam em Montmartre e era filha única do padeiro Bertrand Deveraux e de
bela cantora francesa Fabiane Troier. Já
o Gerard tinha nascido no bairro de Saint Germain des Prés.
O pequeno apartamento era perfeito
para os dois acadêmicos. Mas, quando Martine ficou gravida, eles compraram
outro apartamento ainda mais perto da Universidade. Esta vez, na Rue Danton,
perto do Boulevard Saint Germain. O prédio tinha só quatro andares e o casal
mudou-se para o primeiro. Tinha uma sacada magnifica que dava para a rua, onde
um café delicioso, o “Café des artes”, onde as tardes, após o trabalho, o casal
ficava horas conversando. “Às vezes, alguns colegas da Universidade os
acompanhavam. Enquanto o estado de gravidez de Martine a permitia, eles sempre
saiam durante as noites para reencontrar velhos amigos, todos procedentes da
Sorbonne ou da Universidade de Lyon; ou do Instituto de Biologia de Marselha,
ou até mesmo, do Instituto Pasteur. Eles iam com frequência ao restaurante
“D’or”, perto do Bois du bologne, e terminavam sempre no “café des artes”.
O trabalho dava prazer, e durante a
semana eles estavam literalmente submersos em projetos, estudos, analises e
materiais acadêmicos. Quase sempre tinham que presidir uma palestra, ou
participar delas, ou administra-las.
O apartamento era pintado de azul
claro, uma sala grande, um quarto, um banheiro, uma cozinha pequena mas
aconchegante e um estúdio onde em dois escritórios, Gerard e Martine
trabalhavam nos seus projetos acadêmicos.
Martine estava escrevendo um livro sobre
plantas tropicais da América do Sul, especialmente da região da Amazônia
brasileira, e Gerard estava submergido num projeto de espécies tropicais
africanas. Em fim, os dois tinham a mesma paixão: a ciência.
Foi então, quando chegou o momento de
Martine dar à luz. Sua mãe estava com ela quando no Hospital de la Tournelle,
Martine enfrentou horas de agonia. A criança estava quase estrangulada pelo
cordão umbilical. Os médicos fizeram o possível, mas o bebê nascera morto. Era
uma menina, uma linda menina que eles queriam chamar de Claire. Após o parto,
subitamente a pressão arterial de Martine subiu e ela morreu em decorrência de
uma parada cardíaca. Ao mesmo tempo, Gerard havia perdido a mulher e a filha
numa noite terrível de inverno. A tempestade havia-se desencadeado sobre o
pobre biólogo. A partir daí tudo tinha mudado. Ele perdeu a vontade de viver em
Paris, perdeu a vontade de seguir com seus projetos acadêmicos. Mas, Monsieur
Tourval, seu chefe no departamento de biologia, achou melhor ele se afastar um
pouco e viajar, mas sem perder o rumo das pesquisas. Gerard aceitou, e assim,
menos de um ano após a morte de Martine, ele viajou para a África e depois para
a América do Sul.
A viagem que duraria somente três anos,
transformara-se numa jornada sem volta de quase dez. Gerard nunca mais
mencionara a mulher nem a filha. Os eventos terríveis de Paris ficaram no
esquecimento. Mas agora, os fantasmas do passado pareciam voltar na forma de
uma menina de apensas dezessete anos. A presença de Alma Rocha fixara na sua
mente a possibilidade de retornar às origens, retornar a Paris. Com as imagens
do passado que voltavam à sua mente, conseguiu, por fim, dormir. Amanhã,
pensou, era outro dia.
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