Hoje ela acordou com toda a energia do mundo. Sentiu-se plena e satisfeita pois conseguira, até que enfim conseguira entrar na faculdade após dois anos de tentativa. Ela será a primeira da família a entrar na universidade e isso a orgulhava e também à família toda.
Maria Luisa, sempre conhecida como Malu pela família, era a menor de três irmãos. O mais velho, Isaias, casou-se há pouco tempo e a sua mulher estava esperando neném. O irmão do meio, Carlinhos era considerado o travesso da família. Ajudava o pai, o seu José na roça como podia, mas sempre estava metido em encrencas.
A família da Malu era modesta e simples. A mãe, dona Lourdes, cozinhava para alguns trabalhadores da cidade. Malu sempre ajudava a mãe. Mas quando estudava o cursinho pré-vestibular, logicamente deixara de fazê-lo.
A vida da família Souza era a mesma a de muitos brasileiros que moram no interior dos seus estados. No caso da família da Malu, eram originais de Minas Gerais. São João Del Rey era uma cidade turística e recebia muita gente todo o ano. Fazia parte do circuito histórico do estado mineiro e fora berço de famosos políticos como o ex Presidente Tancredo Neves, entre outros.
Malu sempre foi uma boa estudante. Na escola publica e pobre da periferia da cidade, destacou-se pelas notas brilhantes. Os professores sabiam que, se ela tivesse meios, seria alguém na vida.
De estatura média, morena, de olhos escuros e longos cabelos negros e um sorriso encantador, Malu chamava a atenção da meninada na escola. Mas ela estava só focada nos estudos. Queria estudar medicina.
O sonho chegara ao fim, ou melhor, ao começo. Ela passou no vestibular de Medicina na Universidade Federal de Viçosa, no norte do estado, e era natural o seu estado de alegria e excitação essa manhã de finais de verão quando se preparava para viajar para essa cidade no outro extremo de Minas.
Então, nessa manhã, ela pensou nas ultimas coisas que faria na casa paterna. Tinha que se despedir das amigas de infância, dos irmãos. Os pais a acompanhariam até a rodoviária. A viagem não era tão longa, apenas duas horas e meia de ônibus, mas, seria uma viagem especial. Pela primeira vez na vida moraria sozinha e em outra cidade.
As expectativas a faziam sentir o estomago formigar, assim sentia-se quando estava ansiosa. Agora era hora de viver uma nova etapa da sua vida.
A viagem para Viçosa de ônibus fora tranqüila, mas Malu estivera apreensiva respeito ao futuro. O ônibus chegou à cidade universitária bem cedo, numa madrugada de finais de verão. Malu foi logo para a sua nova república, perto da Faculdade.
Com as suas malas nas mãos, a nova estudante de medicina se preparou para enfrentar os seus novos desafios.
A pequena cidade do interior de São Paulo, adormecia tranqüila no meio da noite. Na rua vazia não havia ninguém. As luzes da rua estavam acesas. Fora uma noite fria de inverno. Numa pequena casa perto da ponte que dava para um pequeno rio, uma família começava a se levantar. Ainda não eram as seis da manhã quando a mãe começou a preparar o café da manhã para o marido e para os dois filhos que iam para a escola. O marido trabalhava numa refinaria de cana de açúcar, a filha mais velha iria se preparar para viajar pra cidade próxima de São Carlos, para fazer a prova do vestibular. Francisca sempre quis ser médica. Estudara muito a vida toda, pois sempre tivera essa idéia na cabeça. Francisca era alta e magra, de olhos verdes claros, herança da sua avó italiana e cabelos castanhos claros, quase loiros. Ela era chamada de Kika pela família e por amigos.
No colégio publico onde estudara, era conhecida por ser a mais bela da turma, e a mais inteligente. Kika era popular, porém vinha de uma família pobre. O seu dote mais conspícuo era a sua inteligência e a sua esperteza. Todos sabiam que Kika seria uma médica, pois estudava muito o tempo todo.
Então, chegou, por fim o dia do vestibular. Ela se levantara da cama ansiosa e com medo. Afinal de contas era a primeira vez que ia enfrentar o provão pré-universitário e ela estudara tanto para isso.
Na família todos ,inclusive Caio, o irmão mais novo, acreditavam que Kika ia passar o vestibular na primeira vez.. E assim foi. Kika passou a prova para varias universidades ao longo do país. Mas ela escolheu estudar medicina em São Carlos, para ficar perto da família. Eles moravam em Jabuticabal, perto de Ribeirão Preto.
Kika morou num pensionato perto da faculdade. Dividia o quarto com outras duas moças, também estudantes de medicina, porém, elas estavam em cursos superiores.
No segundo ano da faculdade, Kika conheceu Roberto, um calouro que acabava de entrar na universidade e vinha de São Paulo. Roberto tinha a mesma idade da Kika, porém só conseguira passar o vestibular na segunda vez.
Roberto e Kika se conheceram no refeitório no meio de uma semana de provas. Ele estava afundando nos livros e Kika, sempre inteligente, começou a falar com ele e deu algumas dicas para a prova do dia seguinte. A partir daquele momento, eles ficaram inseparáveis. Tudo começou com uma amizade sem interesses aparentes e até um tanto inocente. Com o correr dos meses, foram se apaixonando um pelo outro.
Isso na verdade era quase inevitável. Kika era apaixonada pelos estudos e tinha sempre uma disposição incrível para sair, se divertir, e ao dia seguinte, estudar como uma condenada.
Então a paixão pela medicina os uniu. Roberto era alto, branco, de insinuantes olhos verdes, cabelo castanho e era conhecido como um líder nato pelos colegas. Era ele o presidente da aula, representante de todos eles perante o quadro docente e a reitoria.
Kika era mais do que a melhor aluna da sala. Era também uma moça com personalidade forte e que sempre tinha idéias brilhantes para os colegas. Eles a respeitavam e a sua presença em qualquer grupo era bem vinda.
Não demorou muito para que a Kika e o Roberto formassem o casal mais badalado da faculdade.
As festas universitárias de Viçosa acostumavam reunir os estudantes de varias faculdades, inclusive de outras cidades.
Chegou a primavera e todos os estudantes só pensavam na grande festa que aconteceria nesse sábado.
Após um período de muitas provas onde ela se saiu muito bem, Malu se preparou para o grande evento. Viriam moços de Ouro Preto, BH, e tantos outros lugares e ela não queria perder essa festa por nada.
Sua colega de quarto, estudante de engenharia, estava prestes a viajar para o Rio devido a doença da mãe. Então despediu-se da colega.
- É uma pena Glorinha que você não possa ir a festa. Mas espero que a sua mãe esteja melhor assim que você chegar.
- Obrigada Malu....Aproveita a festa por mim....e nos vemos na segunda de manhã.
A sexta feira foi muito quente. O sábado, dia da festa, foi mais ameno e fresco. No Clube principal da cidade, todos se encontraram para a festa de primavera.
O Salão estava cheio de gente. A banda jovem começou a tocar antes das dez da noite e os grupos se formaram ao redor das mesas, rindo, conversando, se cumprimentando.
Malu chegou pouco depois das dez e meia acompanhada do seu colega de faculdade Vitor. Eles sentaram-se numa mesa com outros colegas. Por um momento, no meio da conversa, Vitor olhou para um canto do salão e disse :
- Acho que aquele é o João Carlos.....Vou cumprimentá-lo
O jovem se levantou e Malu o seguiu com o olhar. Após alguns minutos ele reapareceu com outro rapaz ao seu lado.
- Galera...este é o meu amigo João Carlos, ele estuda medicina na Federal de Ouro Preto.
- Olá! – disse o jovem cumprimentando todos os presentes na mesa. Malu se encontrou de frente a um rapaz alto, branco, de olhos cor de mel, cabelo preto e um sorriso encantador.
- Olá – disse ela um pouco tímido – quer se sentar com a gente?
- Claro – disse João Carlos, e sentou-se..
Conversaram muito, dançaram muito e saíram da festa quase ao amanhecer. Também era quase inevitável que se sentissem atraídos um pelo outro.
A partir desse dia, Malu e João Carlos se viram todas as vezes como podiam. No ano seguinte, ele pediu transferência para Viçosa e passou a ser o colega da Malu. O romance estava no ar.
Roberto contou para Kika que tinha um irmão mais velho que morava em Viçosa e que também estudava medicina. Num final de semana prolongado, Roberto convidara a namorada para viajar para aquela cidade mineira, mas a moça não podia pois tinha que ir visitar a mãe adoentada em São João Del Rey. Então Roberto despediu-se dela na rodoviária.
- Me liga assim que chegar Kika..Espero que a sua mãe esteja bem. Eu volto de Viçosa na segunda de manhã, ok? – e deu-lhe um beijo.
Roberto chegou a Viçosa bem cedo nesse sábado. Viajou de carro e foi recebido por João Carlos e pela Malu no apartamento que os dois dividiam perto da faculdade.
Roberto percebeu que o seu irmão estava muito apaixonado pela moça paulista. Achou a Malu muito gentil e bonita e também muito inteligente. Ele achou que o irmão estava muito feliz com a namorada e com a melhor das impressões voltou para São Carlos, não sem antes prometer que na próxima vez ele iria trazer a Kika para que João Carlos e Malu também a conhecessem.
- A Malu é uma moça muito esperta e inteligente, você vai gostar dela – disse à Kika assim que chegou à São Carlos.- o meu irmão está feliz com ela...
- Que bom, fico feliz em ouvir isso – disse Kika tentando se concentrar numa lição de Osteologia.
No outro feriado, quem veio para São Carlos conhecer a Kika foi o João Carlos. Infelizmente sem a Malu que, desta vez ela tinha que terminar um trabalho em grupo da faculdade. O grupo do João Carlos terminara o trabalho, mas o dela não, por tanto, ela se sentiu impossibilitada de viajar.
A contragosto o namorado viajou pra São Carlos sozinho. Conheceu a Kika e gostou muito dela, porém notou que o irmão estava um tanto estranho com a namorada.
- E ai, mano, o que está acontecendo com você? To notando você impaciente com a sua namorada. Algum problema?
- Nada importante...quero dizer...enfim...sei lá
- Mas o que aconteceu?
- Conheci outra garota, só isso.
- Só isso? – João Carlos olhou para o irmão preocupado – mas você não gosta mais da Kika?
- Não sei, a Daniela, a garota que conheci há um mês atrás, é maravilhosa e estou me apaixonando por ela. Não sei o que fazer com a Kika.
- Só posso te dizer uma coisa, mano, vá com calma...De repente é só uma paixão de momento, e a Kika não merece isso, ela parece te amar de verdade.
- Eu sei, eu sei, e isso é o que me deixa muito mal, mas não sei mais o que fazer.
João Carlos teve pena do Roberto. Era evidente que as coisas estavam andando mal com o irmão e a namorada.
Não demorou um mês para que a Kika descobrisse toda a história do Roberto e a estudante de odontologia. João Carlos recebeu um telefonema do irmão que lhe contou tudo que tinha acontecida. Um telefonema anônimo para a Kika fez com que ela fosse até um bar onde encontrou o namorado e a moça com beijos e sorrisos.
O que seguiu depois foi uma grande briga. No dia seguinte toda a faculdade soube o que tinha acontecido. Kika teve o coração destroçado.
Sob o céu cinzento da cidade de São Paulo, naquela tarde de inverno, os estudantes da faculdade de medicina da USP se preparavam para mais um dia de duro teste de final de semestre. No outro pavilhão da faculdade, os médicos recém formados faziam as suas residências em todas as áreas. Eram novo médicos formados em todas as universidades do país e esse ano o número deles tinha crescido muito.
Uma moça de rosto apagado e triste com um papel na mão procurava a sala onde teria uma entrevista com o seu professor residente.
Parou na frente de um grupo de médicos e perguntou.
- Bom dia, por favor, poderiam me dizer onde fica a sala 2B.
- Claro, é aqui mesmo – disse uma das moças do grupo – é residente nova?
- Sim, to chegando agora, é o meu primeiro dia.
- O meu também, acabei de ser transferida a semana passada, e hoje também é o meu primeiro dia. Vai se entrevistar com o Professor Almeida?
- Sim...acho que estou atrasada.
- Não se preocupe, ele ainda não chegou...Também estamos esperando por ele. A propósito, meu nome é Francisca, pode me chamar de Kika.
- Maria Luisa.me chamam Malu.
- Prazer Malu..., venha se juntar a nos.
Foi assim que Malu e Kika, as duas jovens medicas ficaram no mesmo grupo de residentes do hospital e começaram a trabalhar juntas.
- Você já tem um lugar onde morar? – perguntou Kika.
- Na verdade me deram um endereço de uma hospedagem para jovens médicos, aqui perto do hospital.
- Bem, eu moro com uma colega, a Teresinha em um apartamento, se quiser, tem um quarto vago, pode morar conosco.
- Seria legal..obrigada Kika.
Malu passou a morar com a Kika. As duas moças trabalhavam juntas e com o passar do tempo chegaram a ser muito amigas.
- Malu, me diz uma coisa, já faz seis meses que moramos juntas e só vejo você trabalhando, não pensa em ter namorado.
- Não Kika, por enquanto,o meu coração está fechado para balanço.
- Meu Deus, não diga isso querida, você é jovem ,bonita....não faça isso. Alem do mais o seu namorado, que Deus o tenha, morreu há três anos. Ele não gostaria de você ficar assim..
- Isso demora Kika, isso demora....mas você também não sai com ninguém...
- Pois é, precisamos esquecer o passado...eu com o meu namorado traidor e você com o seu namorado falecido...
- Não é nada fácil.
Um certo dia, Malu estava trabalhando no hospital ajudando a atender pacientes quando a enfermeira lhe disse:
- Dra, por favor, tem uma paciente idosa que precisa ser atendida com urgência.
- Claro, já vou... – Malu colocou os óculos e se dirigiu à sala de urgências.
Quando ela entrou na sala viu uma senhora de uns setenta anos, acompanhada do marido, um senhor um pouco mais velho e uma moça de uns trinta e poucos anos. Todos agitados. A mulher tinha um sangramento na testa.
- Por favor, levem a paciente para a sala 2 – disse Malu para os enfermeiros depois de verificar o ferimento.. – tudo bem senhora, tudo bem...não se assuste...vamos resolver o sangramento.
- Obrigado – disse a senhora tremula.
Depois de instalar a paciente e falar com a família. Malu foi visitar outros pacientes e se cruzou com a Kika.
- Dia agitado heim amiga..
- Pois é Malu...ufa, to cansada.....vai visitar alguma sala?
- Não, o Doutor Moura vai falar com a família da sala 2. Uma senhora idosa caiu da escada e quebrou a testa, mas parece que é mais serio...
- O doutor Moura vem vindo....Olá doutor...
- Olá meninas – o médico estava exausto. – dia terrível hoje heim?
- Pois é, doutor, como está a paciente da sala 2? – perguntou Malu.
- Vai levar uns belos pontos..mas está bem, não foi nada grave...ainda está assustada...me faz um favor doutora fala para a enfermeira para dar o calmante..Opa, esqueci de entregar a receita...por favor, entrega para ela – o médico deu para a Malu a receita com o nome da paciente.
- Sim, doutor...- e olhando para a Kika disse – vamos tomar um café? Mas antes, me acompanha até a sala2, só vou entregar a receita do doutor.
- OK, vamos.
As duas médicas entraram na sala 2, exatamente na hora em que a assistente social do hospital estava com a família.
- Muito bem, Senhor, por favor assine aqui...desculpe, o senhor é João Carlos de Almeida não é?
- Sim – disse o senhor idoso assinando os papeis.
Quando a Malu ouviu esse nome ficou paralisada. Era o nome do namorado falecido e ele levava o mesmo nome do pai.
Ela observou o homem enquanto ele assinava os papeis do hospital. Kika estava falando com a paciente e ajeitando os aparelhos e fazendo perguntas.
- A senhora está sentindo alguma dor?
- Não minha filha, agora não..
- Muito bem, não se preocupe, vai ficar melhor logo, logo.
Quando a assistente social saiu, a Malu se aproximou do marido da paciente e perguntou.
- Desculpe, mas ouvi que o nome do senhor é João Carlos de Almeida.
- Sim, doutora, esse é o meu nome.
- É que eu já tinha ouvido esse nome antes...
- Bem, na minha família não tem ninguém com o meu nome, exceto o meu filho mais velho, mas infelizmente está morto.
- Ele, ele era médico? – Malu perguntou tremendo de ansiedade. Nesse momento Kika se virou para eles.
- Estudante de medicina, quinto ano, faleceu em acidente, em Minas Gerais.
O coração de Malu parou.
- Acidente? Minas? – disse com voz afogada.
- Sim...a doutora o conhecia?
Malu não respondeu, só se virou para a Kika que também a olhava com surpresa.
- Sim, eu o conheci...João Carlos de Almeida...
- Meu filho querido – disse a mulher na cama – coitado do meu filho....
- Eu , estudava com ele em Viçosa...nos fomos...
- .....namorados... – concluiu a Kika olhando com olhos arregalados.
- Meu Deus – disse o homem com lágrimas nos olhos – a doutora é...era a namorada do João Carlos...como era mesmo o nome dela? – disse tentando se lembrar.
- Maria Luisa, Malu
- Sim, a Malu....pena que nunca nos conhecemos....ele falava muito da doutora...
- Sim, não tive condições para vir ao funeral.
- Sim, mas é um prazer rever você – disse o homem abraçando efusivamente a Malu.
Nesse momento a porta se abriu e apareceu a moça que estava com eles acompanhada de outro homem, jovem, de uns trinta e poucos anos.
Kika estava olhando os medicamentos que estavam encima da mesinha quando ouviu uma voz familiar dizendo.
- Mãe, a senhora está melhor?
Malu se virou para ele e disse quase com um grito.
- Roberto!
Kika também se virou assustada e impressionada.
Roberto olhou para ela e disse.
- Oi Kika..que bom ver você novamente...Olá Malu...que surpresa boa!!
Malu e Kika se olharam rapidamente. De repente entenderam tudo..Elas, amigas, que tinham vivido vidas separadas, paralelas, estavam na encruzilhada do destino. A amizade delas não era coincidência. Tudo estava unido como um tear de relações, afetuosidade e destino. O destino das duas moças, antes separado, agora parecia uni-las ainda mais. Elas tiveram em comum uma historia de dois homens, duas vidas, dois amores.
A vida nos reserva surpresas, as vezes agradáveis, as vezes tristes, as vezes surpreendentes.
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