Faltavam apenas três quadras para chegar. Ela esperou um
bonde atravessar diante dela cheia de passageiros. Atrás do bonde vinha um
carro que quase a atropelou. Ela não tinha visto. Voltou para a calçada e o
carro passou lentamente diante dela. Tinha um homem ao volante e uma jovem
mulher que deveria ser sua filha. A mulher branca de óculos, olhou para ela
rapidamente. Alma sentiu o seu coração gelar. Por uns segundos, o seu cérebro a
avisou que ela conhecia essa mulher. Alma continuou olhando para o carro que
desapareceu no meio do trafego. Ao terminar de atravessar a rua, ela parou
porque o seu coração disparou. A mulher que tinha visto rapidamente não era
ninguém mais do que Clemencia Tristão.
Horas depois, Alma não poderia explicar nem para ela mesma
como tinha chegado à pensão da Dona Marta. Os sentimentos que invadiam todo o
seu ser eram confusos: susto, medo apreensão, sensação de vazio, tristeza,
calafrio. Tudo acontecera ao mesmo tempo e tinham deixado a moça muito
assustada. Dona Marta viu a moça chegar rapidamente e subiu assustada ao seu
quarto. Os franceses estavam tomando o café da manhã. Dona Marta foi numa
pressa só avisar Monsieur Dupont que a menina tinha voltado. O biólogo subiu
depressa até o quarto e encontrou Alma em prantos. Dupont era muito sábio no
assunto da alma humana. Sempre perguntava na hora certa e sabia calar-se quando
a situação pedia. Assim, ele simplesmente abraçou a nova filha e secou as suas
lagrimas. Alma não disse nada. Simplesmente refugiou-se nos braços do pai e
sentiu-se protegida de toda sua angustia.
Pouco depois, ela desceu para tomar o café da manhã. Nenhuma
pessoa do grupo imaginou sequer que Alma estivera em prantos. Ela unira-se ao
grupo de forma normal e tomou o seu último café da manhã antes de viajar.
O resto do dia passara muito depressa. Alma deu uma última
verificação na bagagem onde todas as roupas eram novas, a moça fechou a mala e
olhou pela janela. Era, talvez a última visão de Recife, talvez a última
lembrança do Guto, da sua vida, da sua família, da sua terra. Fechou os olhos e
conseguiu sentir a brisa marinha que, suave, invadia o quarto. Mas, pensou, a
pensão ficava um pouco longe da praia e, talvez não fosse a brisa do mar, mas
para ela o mar também despedia-se dela.
O por do sol de Recife atingia cores laranjas sobre um tapete
espelhado de agua de mar. A visão de Recife ao entardecer deixou os
estrangeiros incrivelmente surpresos. Dupont aproveitou a sua velha máquina
fotográfica para tirar uma foto. Alma e os outros se juntaram para sair na
foto. No porto, os passageiros do navio que logo partiria para a Europa começavam
a subir pelas longas escadas. Era hora de despedida e Alma observava como as
pessoas choravam ao dizer adeus. Um sentimento de culpa apoderou-se dela. Ela
não tinha ninguém a quem dizer adeus ou simplesmente até breve, voltarei logo.
Dupont percebeu o seu distante silencio e a sua expressão
severa. Aproximou-se da nova filha e a abraçou. Ela sentiu-se reconfortada.
Com profundo olhar inexpressivo, disse quase em voz baixa:
- Hoje, ao voltar da praia, vi Clemencia Tristão. Ela passou
diante de mim, como se o meu passado viesse a tona. Não gostei disso, mom chere
papá.
- Clemencia? – perguntou Dupont intrigado.
- A irmã de Augusto Tristão, meu amor perdido. Tenho certeza
que ela deve achar que eu sou culpada pela morte do irmão, a quem ela amava
tanto.
- Minha filha. Ela não sabe nada do que aconteceu, e falando
de perdas, você leva a melhor, pode crer.
- Sim. Mas o fato de alguém te odiar é horrível. Não gosto
disso. Será que algum dia eu poderei explicar a ela o que realmente aconteceu?
- A vida tem caminhos muito estranhos. Quem sabe um dia minha
filha, quem sabe.
- Sim, - disse olhando para o horizonte marinho, - ....quem
sabe um dia!
Pouco depois, a bordo do PRINCESS OF THE SEA, de bandeira
britânica, Alma, ao lado de Gerard Dupont dava adeus ao seu país natal. Quando
deram às seis da tarde, de um dia quente de primavera pernambucana, Alma Rocha,
ao lado do novo pai, acenou para a multidão que não conhecia, só pelo simples fato
de dizer adeus, mas não era um adeus qualquer, ela dizia adeus a sua terra, a
sua vida, ao seu passado, e viu a sua terra desaparecer lentamente e o seu
futuro ser tão incerto quanto o imenso oceano que aparecia a sua frente.
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