Os pés pequenos, calejados caminhavam lentamente pela rua. Ela sempre caminhava de esquina a esquina. Ninguém sabia quem era nem de onde vinha. Ela caminhava lentamente como querendo levar nas costas toda a dor, todo o drama que viveu e que viverá.
Ela caminhava de esquina a esquina. Quando passava, os transeuntes nem olhavam para ela. Ela repetia sempre a mesma frase :”Não pisem no meu pé, não pisem no meu pé”. Ninguém a escutava, ninguém a olhava, ela simplesmente era invisível.
No seu mundo era a rainha, a deusa, a mulher.
Ninguém sabia o seu nome. Eu a vi uma vez e me chamou a atenção o seu olhar perdido quem sabe onde. Me veio o nome na cabeça e a batizei mentalmente de Aracy.
Aracy caminhava todos os dias de esquina a esquina dizendo “não pisem no meu pé”. As vezes passava frente a Igreja e entrava mancando. O seu olhar se dirigia imediatamente para a imagem de Nossa Senhora.
Aracy não rezava, só olhava. O olhar de doçura, de sofrimento. Nossa Senhora também a olhava com doçura. Nesses dois olhares se cruzavam sofrimento e amor. O amor e o sofrimento as vezes, na maioria das vezes viajavam juntos.
Aracy fazia o sinal da cruz e saia da igreja para voltar até a esquina. Por que a esquina meu Deus? Porque sempre o mesmo lugar? Ninguém sabia.
Talvez ela tenha perdido o seu amor numa esquina, o seu marido, o seu filho, a sua família. Tal vez ela percebesse que estava totalmente perdida no mundo..numa esquina.
Talvez nos escuros cantos da sua consciência apareçam os felizes dias da sua infância numa fazenda no sul de Minas Gerais.
- Aracy....por favor, não vá se perder na mata – gritava a mãe quando a menina sorridente corria pelo matagal perto da casa grande.
Aracy era sempre a luz dos olhos dos pais e dos irmãos mais velhos.
Aracy cresceu como uma princesa, mimada por todos especialmente por Nhá Nanã, a pessoa que ela mais amava e que a criou desde que era bebe.
Aracy com a sua infância feliz, irmãos carinhosos, pais amorosos....O que aconteceu meu Deus? O que fez ela ficar assim?
Quando era mocinha, olhos cor de mel e sorriso encantador, Aracy se apaixonou....e para sua desgraça se apaixonou pelo peão da fazenda..e fugiu com ele. A sua família nunca mais soube dela...e meses depois quando souberam que ela fugiu com o peão para São Paulo, eles simplesmente a deletaram das suas vidas. Os sentimentos humanos são tão contraditórios e complexos.
Aracy viveu feliz com o novo marido, por muitos anos. Moravam numa pequena casinha simples no bairro de Sacomã , em São Paulo. Tiveram um filho que nasceu morto. Aracy quase enlouqueceu de dor. Nem o marido, que agora trabalhava como mestre de obras conseguiu tira-la do seu isolamento doloroso.
O marido foi o seu único porto. Uma vez ficaram em se encontrar numa esquina. Ele nunca apareceu. Dias depois se soube que tinha morrido em um assalto quando ia se encontrar com ela. Aracy ficou esperando-o na esquina....e continua esperando. No meio do sofrimento passou um homem com um carrinho de sorvete, e sem querer passou o carrinho sobre o pé dela. E ela chorou de dor, de sofrimento. A angustia pela espera do marido, pela perda do filhinho, a fizeram chorar até ser socorrida por policiais que estavam por perto. Ela só gritava “Não pisem no meu pé, não pisem no meu pé”.
Foi internada num asilo e por lá ficou...muitos anos...E todo esse tempo ficava olhando para a janela, ficava olhando para a rua, para uma esquina. Era lá que o seu marido viria procurá-la Ate que um dia, fugiu, e morando na rua, fica de esquina a esquina, esperando o seu marido.
Ela manca, caminha devagar, ela caminha majestosa. No seu mundo ela é Aracy, a rainha, a deusa, a mulher.
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