segunda-feira, 28 de novembro de 2011
CRÔNICAS DA AVENIDA PAULISTA (CONTO)
A POESIA DA VIDA
Uma vez ao mês, Dona Leontina ou Dona Leo como era conhecida no seu prédio dirigia-se até a Avenida Paulista nro.37: a Casa das Rosas, para ouvir e ler poesias. Ela escrevia poesias desde a adolescência, nos primórdios dos anos trinta, quando a cidade, efervescente, crescia a passos gigantescos à industrialização e o progresso econômico.
Nascida num casarão no bairro de Bela Vista, muito próximo à avenida, Dona Leo casara-se com um primo em segundo grau, natural de Minas Gerais e tivera um só filho. Isso fora nos anos cinquenta. Viúva muito jovem, ela teve que tocar enfrente a loja de ferragens que o marido lhe deixara no bairro do Braz, e que depois passou a ser administrada pelo filho Mateus após a morte do pai.
Mas o filho também falecera muito jovem, de doença do coração e, sem deixar descendência, Dona Leo encontrou-se sozinha no mundo. Bem, sozinha é só uma expressão supérflua, pois ela sempre esteve acompanhada da poesia.
Desde jovem e formosa rapariga, alimentara-se da poesia de Manoel Bandeira, de Fernando Pessoa, de Florbela Espanca, Mario de Sá Carneiro e mais adiante, de Drummond de Andrade, seu poeta favorito.
Assim, a jovem Leontina começara a escrever. Seu primeiro livro de poesia foi publicado em 1958, quando acabara de perder o seu único filho. Então ela debruçara toda sua tristeza e, talvez esperança, na poesia. O livro não fizera sucesso, mas o segundo, “Alma” publicado em 1962 fora aclamado pela crítica paulista e pelo jornal O ESTADO DE SÃO PAULO como um “ar fresco e sentimental na vastidão do nosso panorama literário brasileiro”.
A partir dali, Leontina nunca mais parou de escrever. No entanto, chegou a velhice e a dificuldade dos idosos em manter a rotina do dia a dia com a força e a virilidade da juventude. Leontina começou a perder a visão, a ter problemas nas vias respiratórias, em fim, toda uma série de doenças características da idade avançada.
Mas, no meio de todas as dificuldades, encontrara uma nova razão para beber e absorver poesia. A casa das Rosas, na Avenida Paulista começou a oferecer espaço para os poetas de todas as idades que queiram, uma vez ao mês, num sarau cultural, divulgar e apreciar poesia.
Dona Leo começou a frequentar a Casa das Rosas todos os meses. Podia ver-se uma idosa, impecavelmente vestida, com um sorriso nos lábios e uma aureola de mistério no olhar, observar e escutar atentamente os poetas neófitos da cidade. Tudo era ocasião para festa e amizade. Dona Leo revigorava-se e extasiava-se no meio desse ambiente literário que juntava palavras, sentimentos, amizades, e muito mais.
Sem perceber, tinha se transformado em uma presença obrigatória dos saraus mensais do lugar.
Quando ela se dirigia ao estrado para ler suas novas poesias, toda a platéia ficava em silencio, apreciando sinceramente, os versos singelos, emotivos e cheios de sentimentos de Dona Leo.
“Existe um lugar
no meio do barulho e cacofonia da cidade
onde os pensamentos confluem
num frenesi de amor e amizade
Ela tem nome de rosa,
pura e fresca como a flor,
suave e deliciosa como a primavera,
esplendorosa como a vida mesma.
Eis onde reina absoluta a poesia
Onde o dizer se confunde com o pensar
Onde se constroem as mais altas torres
do saber, e do viver.
Seu nome é : A casa das Rosas
E é lá onde meu coração embebe-se
de amor, alegria e de feliz viver”
Não existia maior prazer na vida da Dona Leo, do que atravessar a famosa avenida de São Paulo e entrar no soberbo casarão, um dos últimos vestígios dos tempos áureos do café: a Casa das Rosas e, alimentar-se daquilo que lhe proporcionava a felicidade suprema de sua vida : “a poesia”.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário