quarta-feira, 22 de outubro de 2014

SOBRE HOMENS E OUTRAS HISTÓRIAS: ALFONSO (CONTO)




ALFONSO


O Porto de Cádiz, na Espanha estava lotado de gente nessa manhã quente de julho. A guerra civil começara de fato, e uma multidão de pessoas, sem rumo nem destino, tentava chegar até os dois navios grandes atracados no píer. O único que eles sabiam é que os dois navios iam para a América, um pro México e o outro para a Argentina.
Estamos em julho de 1936, a as tropas do General Franco, apostadas no Saara Espanhol, abandonaram suas posições e invadiram a península, iniciando-se assim uma luta armada que parecia ser das piores que os espanhóis tinham visto antes.
No navio DUQUE DE ALBORZ, um jovem de uns vinte e dois anos se preparava para entrar a bordo. Atrás, a fila de uma imensa multidão perdida no meio da incerteza e do futuro, se preparava para fazer o mesmo. Umas cinquentas pessoas atrás do jovem, outro jovem, moreno, quase da mesma idade, tinha os olhos cheios de lágrimas ao observar o porto e o ruído das buzinas dos barcos. Estava abandonando seu país para ir morar bem longe, e para pior, não sabia exatamente o que lhe esperava nessa nova pátria, nesse novo lugar. Era forçado ao exilio e isso era o pior que poderia passar a um cidadão, de qualquer país que fosse.
Horas depois de partir, os dois jovens se encontraram, por acaso, no convés.
O mais novo era branco, alto e elegante, tinha olhos claros, verdes como o mar e um olhar perdido no horizonte. Fumava um cigarro quando o outro, moreno e de baixa estatura, aproximou-se para pedir um cigarro.
- Boa tarde, teria um cigarro para me oferecer?
- Ah, claro, tome aqui, boa tarde
- Obrigado. José Herrera, sou de Madri.
- Fausto Alarcón, de Zaragoza.
- Foi fácil chegar até aqui?
- Dei sorte, consegui subir num caminhão com ajuda de um amigo. E você?
- Foi difícil. Tive que vir num caminhão que transportava carnes, e como as estradas principais estavam fechadas, tivemos que procurar caminhos alternativos. Tudo está horrível
- Pois é, mas quer saber Herrera, não me arrependo de nada. Não tenho mais ninguém que me prenda aqui. Meus pais já são falecidos e não tenho irmãos, só parentes distantes.
- Entendo. Eu tive que deixar família, amigos. Estou na lista negra dos franquistas e era um perigo, um risco de vida para mim ficar mais tempo na Espanha.
- Vai pra Argentina?
- Sim.
- Eu também.
O que havia começado como um breve diálogo entre dois desconhecidos num navio comum, transformara-se, como o passar dos dias, numa grande amizade. Ambos descobriram que eram técnicos farmacêuticos e que tinham um plano comum: abrir uma farmácia em Buenos Aires.
A viagem durou duas semanas e meia e quando fizeram escala no Rio de Janeiro, os dois amigos espanhóis ficaram encantados com o que viram
- Meu Deus – disse Fausto – Isso aqui é o paraíso
- Também acho.
- Que tal se ficamos aqui. Esqueçamos Buenos Aires. Aqui tudo parece luminoso e alegre.
- Boa ideia.
Assim, nossos dois jovens aventureiros, decidiram residir no Rio. No começo tiveram muitas dificuldades com o idioma. Moraram numa pequena pensão na rua da Carioca e após anos de muita labuta, conseguiram abrir uma pequena farmácia no bairro da Tijuca.
A Farmácia “Espanhola” ficava na Praça Saenz Penha, bem no coração do famoso bairro carioca, e logo, logo, os dois jovens proprietários, se acostumaram à cidade e aos seus habitantes.
Duas amigas e vizinhas moravam perto e costumavam comprar remédio na farmácia. Carmem e Luiza. Ambas jovens de dezoito anos, além de estudar juntas, eram amigas de infância. Carmem era branca, olhos claros, de pais portugueses. Nascida em Petrópolis, era filha do padeiro do bairro. Luiza era morena, de olhos escuros, filha do comerciante mais prospero do bairro, dono de uma quitanda. Era natural que as idas e vindas à farmácia chamasse a atenção dos dois jovens espanhóis sobre a beleza e a graça das amigas. Com o passar do tempo, Fausto namorou a Carmem e José namorou a Luiza.
Após três anos de namoro, os dois amigos e sócios casaram na mesma cerimônia, com as duas amigas.
José Herrera nunca deixou de se corresponder com seus familiares e amigos. As cartas da Espanha iam e vinham cheias de fotos, conselhos e saudades. Uma dessas cartas, pertenciam a um amigo de infância de José, Alfonso Linares, que também tinha se casado e formado família.
A diferença dos Herrera, os Linares eram abastados. Durante a guerra civil não fugiram da Espanha, porém, foram se estabelecer na fronteira com a França, nos Pirineus, e lá permaneceram durante todo o conflito.
As cartas contavam a vida dos dois amigos, suas alegrias e agruras, a vinda dos filhos. A essa altura, José tinha dois filhos e o amigo Alfonso, três.
Os anos foram passando. Os Herrera e os Alarcón eram inseparáveis. Inclusive suas famílias eram muito amigas. Os filhos de ambos brincavam e estudavam juntos. Fausto tinha uma filha mais velha, Helena que era a beldade do bairro. José tinha dois meninos que logo quiseram seguir a carreira militar. A vida das duas famílias era harmoniosa e sem conflitos. Eram amigos, sócios, vizinhos e quase irmãos.
Quando o filho mais velho do amigo de José, Alfonso, se formou na Universidade, os pais deram para o rapaz, também chamado Alfonso, uma viagem de férias pelas Américas. De navio, o jovem madrilenho, de 23 anos, passou pelo México, Caribe e América do Sul. No Brasil, desceu na Bahia, e depois o navio zarpou rumo ao Rio de Janeiro.
O jovem Alfonso trazia uma carta para José Herrera. O pai tinha lhe dado todos os endereços, números de telefones, para que ele se comunicara com o amigo. Assim que chegou ao hotel, Alfonso Linares ligou para José Herrera.
- Dom José, bom dia, sou Alfonso Linares, filho do seu amigo Alfonso, de Madri.
- Más que surpresa agradável Alfonsito. Quando chegou?
- Hoje de manhã. Estou no hotel e gostaria de lhe fazer uma visita para entregar uma encomenda do meu pai.
- Mas, com todo prazer. Olha, você chegou em boa hora. Hoje é o aniversário da minha mulher, Luiza, e vamos oferecer uma pequena festa. Por que você não vem a noite e te apresentarei meu amigo e sócio, Fausto Alarcón, outro compatriota.
- Com todo prazer. Estarei ai hoje a noite.
- Esperarei por você, meu rapaz.

*******

Alfonso chegou à casa de Seu José exatamente as oito da noite. Alto e loiro de olhos azuis, ele não tinha a caraterística típica de um espanhol. Isso devia-se a sua ascendência inglesa por parte de mãe. Era obvio que atrairia muita atenção ao chegar. Parecia um personagem saído dos contos vikings. Todos ficaram olhando para ele. José Herrera o abraçou e, deu as boas vindas ao jovem forasteiro.
Nessa festa ele foi apresentado aos convidados, incluídos a família Alarcón. Quando Alfonso viu Helena Alarcón não teve dúvidas, ficou atordoado perante tanta beleza. Helena era a primogénita de Fausto Alarcón, e apesar de ser de baixa estatura, era uma jovem de exuberante cabelo castanho, olhos verdes claros e um sorriso atraente. Culta e inteligente, Helena falava bem o espanhol e o francês, e tinha estudado num colégio interno religioso em Petrópolis. Agora, estava pronta para cursar a faculdade de Sociologia. A conversa entre os dois rendeu uma especial noite de aniversário.
Nos dias seguintes, Helena foi o seu guia turístico pela cidade maravilhosa. Visitaram o Corcovado, o Pão de Açúcar, um passeio de barco até a Ilha de Paquetá e algumas praias da cidade. Era mais do que evidente que, os dois jovens sob o romantismo da cidade, terminariam se apaixonando. A magia do amor estava no ar. Após uma semana no Rio, Alfonso, simplesmente cancelou sua viagem a Buenos Aires. Decidiu terminar suas férias no Brasil.
Assim, começou uma história de amor entre dois seres cuja história de família tinha começado muito tempo atrás, durante a guerra civil espanhola.
Alfonso e Helena se casaram em Madri, mas todos os verões, continuam vindo para o Rio de Janeiro celebrar o amor que começara na cidade.

F I M
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