Todas as manhãs, faça frio ou faça calor, faça chuva ou faça sol, seja um dia ensolarado ou nublado, uma senhora idosa de pés pequenos, caminhava lentamente pelas ruas da Vila Mariana. Todos os dias as sete da manhã ela saia da sua casa, uma simpática vila na rua Rio Grande, e ia caminhando até a Igreja Santo Inácio de Loiola, na rua França Pinto.
Dona Alice era moradora da vila desde os anos quarenta, por tanto, conhecia toda a vizinhança..
Mãe de sete filhos, todos bem crescidos e fazendo as suas próprias vidas, Dona Alice acordava todos os dias muito cedo. Antes de sair, cumpria rigorosamente as suas obrigações matinais. Apesar da sua idade, ela preparava o café da manhã para o marido e os filhos, colocava toda a roupa para lavar, dava uma geral rápida na casa, se vestia, pegava o seu sempre inesquecível terço e ia para a igreja.
A rotina era pétrea. Desde sempre, desde aqueles tempos que ela nem lembrava mais, a simpática e idosa Dona Alice cumpria com as suas obrigações pessoais.
Na Igreja, encontrava as amigas, todas de mais de oitenta anos. Ela era a responsável pelo altar. A preparação dos ornamentos estava nas suas mãos. Depois de preparar o altar antes da missa, ela se sentava no primeiro banco da esquerda e ali se entregava aos sublimes rituais do maior sacrifício católico.
Em principio, quem lê esta historia poderia crer que a vida da Dona Alice era a de uma beata simples e sem importância. Essa impressão, talvez, tivessem aquelas pessoas que não a conheciam. Mas quem a conhecia sabia que a espiritualidade desta senhora era muito mais profunda do que poderia se imaginar.
Se pudéssemos descrever a vida da dona Alice, aparentemente pacata e simples, mas com uma personalidade maravilhosa, poderíamos dizer uma só palavra: FÉ.
A fé permeava a vida dela de tal forma que, apesar de todas as dificuldades que ela sofreu, nunca deixou de cumprir a sua obrigação. Cumpriu o rito de ir
à missa diária até onde ela podia. A fé prática da dona Alice era um exemplo para todos.
A santificação de uma vida cheia de fé se da especialmente no dia a dia. No cumprimento, apesar de ser difícil ou tedioso, das obrigações domésticas, familiares, e com o próximo. Na frente do fogão da cozinha, ou passando inúmeras roupas da sua família, ou recebendo os amigos, ela se santificava. A santificação do trabalho comum se transforma em oração quando é oferecido a Deus.
Certa vez escrevi que a fé era viver no próprio eixo. É o eixo por onde se move a vida espiritual e material. É o que nos conduz pelo caminho que devemos seguir; seguir aquela luz no meio da escuridão, ter a certeza de que, custe o que custar, Deus nos da a fortaleza para seguir adiante.
Dona Alice sabia amar e ser amada. Sabia, que do amor a Deus, procedia todo o amor que ela tinha para dar. Sabia que a suprema realidade da nossa vida é bem simples: amar, amar muito. O amor é capaz de levantar o nosso espírito, nos faz sentir alegres por cima da dor e da contradição. Ela sabia que Deus a amava e este amor era único, incomparável, terno e generoso. Ela contava sempre com o amor de Cristo com uma vida cheia de fé. E Deus a colocou a prova quando ela descobriu que tinha uma terrível doença. A sua fé não se abalou. Movida por uma fortaleza a toda prova, ela continuou, até onde podia continuar, a sua vida. É o fez de maneira exemplar. Deus a manteve sempre na luta e com a dor e o sofrimento, ela se santificava.
Não se santifica aquele que nunca comete erros, mas sim, aquele que sempre se arrepende, que coloca confiança no amor que Deus lhe tem e se levanta para seguir a luta. O pior não é ter defeitos, mas fazer um pacto com eles, não lutar e admiti-los como parte da nossa maneira de ser.
Uma vida de fé é também se entregar com alegria aos pequenos afazeres do dia a dia. É fazer tudo o que deve ser feito com carinho e com amor. Quando a Dona Alice fazia alguns doces maravilhosos – um exemplo vivo são os famosos fios de ovos – ela os fazia com alegria e com dedicação. Essa vida só podia servir de exemplo. A sua vida, foi uma vida de meditação, ainda que estivesse trabalhando.
Vivemos num mundo onde tudo se transforma a cada instante. A modernidade nos faz apressarmos cada vez mais em tudo, trabalho, estudos, amizades. Não encontramos tempo para nada, estamos levando a nossa vida no meio desse turbilhão de compromissos sociais, laborais e nos esquecemos que, as vezes, é necessário dar uma parada no dia e pensar no que devemos fazer para ajudar aos outros.
Dona Alice nunca teve esse problema. Ela sempre fora uma pessoa ágil, direta, prática e muito veraz. No meio das suas atividades, do tratamento do câncer (que levou muitos anos), da perda do marido e tantos outros sofrimentos, ela sempre encontrou tempo para as pessoas que iam procurá-la.
É natural que num mundo tão convulsionado como o nosso, exemplos como este, sejam muito raros e difíceis de achar. Mas, quando temos a felicidade de conhecer uma pessoa assim, então nos sentimos satisfeitos porque sabemos que existem vidas de fé, de fortaleza, vidas repletas de amor, vidas que não poderão ser esquecidas nunca.
Após anos de intenso sofrimento físico, talvez nas câmeras secretas da sua consciência, ela se via como menina feliz, relembrando os anos do seu noivado, depois os anos de casada, o nascimento dos filhos, dos netos e dos bisnetos. As pessoas que conheceu ao longo da sua venturosa vida, as festas de natal na vila com os vizinhos e amigos, aquelas tardes rezando o terço, os cantos inesquecíveis da missa com as amigas, a imagem da Nossa Senhora com o menino Jesus nos braços, e a sua última caminhada para o tão esperado encontro com a fonte do verdadeiro amor.
Ele estaria a sua espera e a receberia de mãos abertas. Diria com voz suave e celestial: “Venha Alice, venha usufruir todo o amor que você semeou”.
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