Então chegou o inverno. Inverno quente no sertão do Moxotó.
No final de junho, após a festa de São Pedro e São Paulo, dona Rosa Guimarães
Malta, a avó materna de Alma, tinha sucumbido a uma forte pneumonia. Durante
muitos anos, dona Rosa tinha sido uma conselheira e uma fonte de sabedoria para
sua filha Dadá e também para os seus outros filhos, Genésio e Teodoro Malta, já
casados e moravam em Recife. Maria das Dores ficou abalada com a perda da mãe.
Desde que adoecera, cuidara da mãe com muito carinho e afinco e, quando ela
entrou em coma, foi a Dadá que segurou a sua mão com ternura. O evento chocou
toda a família. Para Alma, que não tinha muito contato intimo com a avó, não
tinha sido uma perda terrível, mas o impacto da morte, pela primeira vez
entrara na sua vida.Por exemplo, ela viu como essa perda tinha movido toda
fortaleza de sua mãe, e como Dadá perdera um pouco de sua segurança. Rubião
Rocha tinha feito o possível para consolá-la, assim como seus irmãos ( vindos
de Recife para o enterro) e os filhos. Mas nada consolava Dadá. Isso preocupou
Alma, que pela primeira vez viu a sua mãe, sempre segura de si mesma, cair numa
profunda tristeza.
A presença dos irmãos de Dadá, não colaborou em nada. Havia
muitos anos que os dois jovens Malta mudaram-se para Recife e lá fizeram a vida. Genésio, o
mais velho casara e tinha só um filho adolescente; já o outro irmão, Teodoro
trabalhava numa fazenda no Ceará e muito pouco vinha visitar os pais. No seu
Damião Malta, orgulhoso comerciante de Inajá, a morte da mulher provocou-lhe desespero e revolta. O seu Malta, como era
conhecido na região, ficou mais mal humorado e impaciente com tudo e com todos.
Todos notavam nele sinais de velhice prematura ( ainda não completara os
setenta e cinco anos).
Cada vez mais, Malta deixava a administração do seu comércio
ao seu neto, Damião, que passou a ser a sua mão direita nos negócios e ao qual
confiava cada vez mais toda a sua vida. O avô e o neto começaram a se entender
muito bem após a morte da dona Rosa, em parte porque o velho Malta já estava
adoecendo e cansado de problemas cotidianos que lhe proporcionava a venda, e
por outro lado, ele percebeu que os dois filhos não queriam saber nada de
comercio, tinham as suas próprias vidas na capital. O jovem Damião, no entanto,
ajudava o avô dia e noite e transformara-se em seu herdeiro natural para grande
satisfação de Rubião e de Dadá. Mas, chegara o dia em que Damião tinha que
prestar o serviço militar e ele escolheu fazê-lo em Recife. Então, o outro
filho, Zé Rubião foi ajudar o avô Malta durante um ano. Obviamente a relação
entre os dois não era das melhores. O velho tinha se afeiçoado ao neto mais
velho. Segundo Malta, o adolescente era preguiçoso e não confiável. Tinha que
redobrar os seus cuidados. Alias, era o que ele sempre fazia.
Para a única filha da Dadá, a vida parecia não correr. Alma
continuava os estudos, imersa na rotina costumeira. Fazia tempo que não ia
tomar banho no rio devido a enchente de junho, mas, decidiu certa tarde quente
de agosto, Alma decidiu voltar a tomar banho no rio e se lambuzar com a lama. A
menina desceu pela trilha, colheu algumas flores que encontrara no caminho e
chegou até a beira do rio.
Enquanto se banhava nas águas cálidas e prazerosas, percebeu
que alguém a observava. Sentiu um estremecimento e, pela primeira vez, sentiu
medo de estar sozinha. Virou o rosto e viu um rapaz jovem, moreno, parecia
muito alto, que a olhava curioso e um tanto atrevidamente. O rapaz esboçou um
sorriso quase imperceptível. Alma saiu da água e pegou a toalha para se secar.
O rapaz permaneceu em silencio. Por um instante, Alma não sabia se estava em
segurança, ou em perigo, por um segundo ela parecia tomar conta da situação,
mas novamente sentiu medo. Então o rapaz de olhar profundo, de sobrancelhas
grossas falou com uma voz forte:
- Olá, não queria te assustar....
- Olá – respondeu Alma um tanto acanhada – quem é você e de onde apareceu?
- Meu nome é Gerônimo, meu pai mora aqui perto..
- Vizinho? Eu nunca tinha te visto antes
- Sou o filho do Coronel Bezerra, prazer – disse sorrindo.
- Ah, prazer, sou Alma Rocha.
- A filha do seu Rubião, já me falaram de você...mas não me
disseram que era muito bonita.
Ele se aproximou e Alma recuou um pouco. Sentiu-se ameaçada.
Havia algo nos olhos escuros do rapaz que a deixava em prontidão, como se ela
esperasse alguma atitude fora do comum.
- Eu, eu tenho que ir... – disse a menina e começou a andar
depressa. O rapaz a seguiu e caminhou do
seu lado..
- Posso te acompanhar até sua casa? É que eu não conheço ninguém
por aqui. Moro no Recife e estou de férias.
- Desculpe, mas....prefiro ir sozinha, já estou atrasada.
E a menina desapareceu na trilha que levava ate sua casa.
Assim fora o primeiro encontro com Gerônimo Bezerra.
Ao chegar à casa, a menina não contou nada para a mãe, mas
toda vez que pensava no encontro, sentia um estremecimento.