Os dias foram passando entre uma tênue solidão e melancólica
visão de futuro. As estações deram lugar aos anos, o inverno passou, as
terríveis temporadas de secas deixaram marcas no velho rio Moxotó, como se fossem
cicatrizes de sofrimento e tristeza.
Mas, como tudo na natureza, o verão voltou e trouxe chuvas e
inundações no sertão. A família Malta também cresceu; especialmente as
crianças, especialmente Alma. A menina que tanto amava o barro, voltou a
encontrar o tesouro estranho e escuro que a fazia feliz. O barro, ela nunca
entendeu ao certo, e talvez ainda era muito menina para entender o quanto
gostava dessa terra escura que o rio lhe proporcionava a cada ano. Foi então,
aos doze anos, quando a mãe, dona Dadá percebeu que a pele da filha tinha uma
textura brilhante e nada incomum. Dadá Malta pensava que era um traço de
família.
Então aconteceu algo inesperado e extraordinário. Alma desceu
até o leito do rio e começou a se banhar nessa esplendida e calorosa tarde de
março. O dia fora exaustivo. Ela ajudara o pai na venda no período da manhã já
que era feriado escolar e tinha todo o tempo do mundo, especialmente para tomar
banho e se lambuzar nas primeiras lamas do Moxotó.
O sol estava fulgurante. O calor, insuportável. Alma entrou
no rio e se debruçou nele com alegria. Fechou os olhos porque os raios do sol
dificultavam a visão. Olhou para o outro
lado do rio e pareceu ver uma sombra na beira, uma sombra estranha, como nunca
vira antes.
Foi então que percebeu que tinha um homem muito velho olhando para o infinito e parecia tão
absorto que não percebera a presença
dela.
A curiosidade de Alma, no entanto aumentava a cada momento.
Até que começou a nadar rapidamente em direção ao velho, e chegou ao outro lado
do rio numa distancia discreta da estranha figura. Sentou-se na areia e olhou
para o homem que, desta vez, percebera sua presença, mas, sem emoção, continuou
o olhar ao infinito.
Alma levantou-se e caminhou em direção ao homem desconhecido.
Ele parecia não vê-la.
- Boa tarde! – disse com voz juvenil.
O homem olhou para ela. Preparou um cachimbo que tirou do
bolso da camisa velha que usava. Depois de acende-lo, olhou para ela com olhos
misteriosos .
- Boa tarde moça...Gostou do presente que o rio lhe trouxe?
Sua voz era quase gutural, estranha e cheia de mistérios.
- Presente?, que presente?
- O prazer de tomar banho nas águas mornas do Moxotó...Isso é
um presente da natureza.
- Sim....gosto muito de me banhar no rio, ele me acalma e me deixa feliz.
- Parabéns moça...Você entende a natureza...Ela ainda te
trará muitas surpresas boas. – disse levantando lentamente. - preciso ir
andando, não se esqueça de passar barro em todo o corpo, isso a preparará para
o futuro.
Alma viu o homem misterioso desaparecer na trilha que levava
até o desvio do caminho da cidade. Ela não entendeu o que ele disse. Tudo
parecia muito estranho. De qualquer forma, foi até o lamaçal e lá se entregou
com aquela prazerosa atividade tanta satisfação lhe oferecia.
Não percebera que o entardecer chegara. Era o momento de
voltar para casa.
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