Damásio Bezerra queria que o único filho estudasse medicina
no Recife. O jovem Gerônimo, agora com dezessete anos, se preparava para entrar
na universidade e seguir os conselhos do pai. Fazia três anos que já estudava
em Recife, e no colégio, não era um mau aluno. Também não era brilhante, mas
tinha uma inteligência fora do comum, talvez para os que observavam o jovem com
atenção, descobrissem que era uma inteligência um tanto sinistra. Ele conseguia
driblar com facilidade as ordens dos professores e da diretoria da escola,
sempre escapava de algumas aulas que não gostava, alegando motivos de saúde ou
compromissos irrecusáveis. De qualquer modo, Gerô, como era chamado
intimamente, era um jovem que poderia chegar a ser alguém importante. O nome do
pai tinha importância, mesmo na capital, e isso era uma alavanca formidável
para o futuro no Recife dos anos quarenta.
Gerô sempre gostou de morar na capital. Gostava de ir à praia
nos finais de semana, de andar de bicicleta, de desfrutar da vida agitada dos
jovens de Recife. Mesmo sendo muito jovem, chefiava um grupo de colegas que, às
vezes, faziam arruaça na escola. Nunca fora punido por isso, porque sempre se
manteve a margem de tudo, com muita inteligência.
Então, chegaram às férias e era momento de ir para casa. Gerô
não gostava muito de lá. Achava a cidade de Inajá um tédio e, passar uns dias
com os pais era um suplicio. Então, numa dessas tardes quentes do sertão, pegou
o cavalo e decidiu incursionar pelas redondezas. Passou pela rua principal de
Inajá, viu a venda dos Malta cheia de clientes, o sol batendo com intensidade o
seu rosto. Decidira ir para o rio e banhar-se já que fazia muito tempo que não
desfrutava de um banho no Moxotó.
Então acontecera algo inesquecível e totalmente imprevisto:
conhecera a filha dos Malta, Alma Rocha. Aquela menina atraiu a sua atenção
imediatamente. Até esse momento, Gerônimo Bezerra nunca sentiu uma atração tão
forte pelo sexo oposto. Em Recife gostava de brincar com as colegas de colégio
e inclusive dizia que era namorado de algumas delas, mas nunca com seriedade.
Era a primeira vez que, ao ver uma moçoila do Sertão, ficou prendado
definitivamente.
O encontro fora rápido e terminou mal, pelo menos para ele.
Alma ficara assustada com a presença intempestiva do rapaz, e saiu correndo.
Dias depois, Gerô voltou varias vezes para o rio e não conseguiu mais ver a
moça. Alma Rocha fixara-se na sua mente, e também no seu coração.
Desapontado por não voltar a vê-la, Gerô voltou para Recife.
As férias tinham acabado e era hora de voltar aos estudos.
Foi então que, um belo dia, ao sair do colégio entrou numa
sorveteria da praça perto de sua casa e sentou-se num banquinho para tomar o
saboroso sorvete de chocolate que tanto gostava. Bem perto, dois rapazes,
também tomavam sorvete e conversavam animadamente. Os dois estavam trajados em
vestes militares: eram soldados.
A conversa chamou a atenção de Gerônimo imediatamente.
- E ai, Damião, daqui a dois meses termina o nosso serviço. O
que pretende fazer então?
- Voltar para Inajá. Ajudar o vovô Malta na venda e seguir a
vida. E você?
- Não penso voltar para casa. Ficarei por aqui no Recife.
Gostei da cidade. Vou arranjar um emprego e morarei aqui mesmo.
- Boa ideia. Eu só não fico porque o meu avô precisa de mim.
Gosto de Recife, mas por enquanto vou ficar na venda mesmo.
- Muito bom. Bem, acabei o sorvete, vamos indo?
- Vamos!
Gerônimo viu os dois jovens soldados se dirigirem em direção
ao quartel central ali perto. Então esse era um dos jovens Malta – pensou - ,
então é o irmão da minha princesinha...Hummm...Isso está interessante...Devo
fazer o possível para me aproximar desse rapaz.
A partir desse momento, Gerônimo Bezerra começou a seguir o
Damião. O plano estava traçado.
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