sábado, 25 de janeiro de 2014

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAPITULO III PARTE I)


“O PAJÉ”

Uma nuvem de fumaça parecia cobrir todo o rio. O vento norte soprava furioso através das matas que circundavam o Moxotó. Tudo parecia tenebroso. A noite escura era o refugio incólume deste pesadelo. Visto do alto, o rio era testemunha silenciosa de uma ventania quente que parecia devorar tudo o que encontrava. O fogo se expandia pela região e trazia consigo um forte cheiro de canaviais queimados, de desolação e de tragédia. No meio desse clamor de perigo e calamidade, o velho pajé corria em direção à mata densa que ainda não fora queimada. Ele estava assustado, tremia dos pés à cabeça e não entendia como estava nessa situação nem como tinha chegado ai. No meio do rio, surgira a menina que ele conhecia, gritando de desespero. Ele aproximou-se da beira do rio para salvá-la, mas ela parecia não querer ser salva. O pajé ficou desesperado e gritou com ela, pediu para que se aproximasse, que ele a salvaria. Ela só chorava. A angustia tomou conta do seu rosto todo machucado, a pele um pouco queimada, a roupa encharcada de tristeza e agonia.

O pajé Jabú acordou desse pesadelo. Olhou para o lado da cabana e percebeu que estava suando e tremendo. O sonho era terrível e era um aviso. A menina do rio precisava dele com urgência. Levantou e preparou alguns mantimentos e avisou o cacique que precisava ir para o Sertão nesse mesmo instante. Não quis escutar o apelo do chefe da tribo para que esperasse o amanhecer. Não, ele tinha que ir imediatamente. E assim o fez.

Atravessou a longa mata que circundava o São Francisco. Atravessou o largo rio num pequeno bote e chegou à outra beira. Continuou caminhando sem parar, só parava para um pequeno descanso, depois voltava o nosso caminhante a trilhar o caminho que o destino o convocara. O objetivo era ajudar. Sua presença talvez seja importante, seus conselhos decisivos para esclarecer a nuvem de dúvidas e tristeza que se abatera sobre a menina do rio. Disso ele tinha certeza.

Após uma longa jornada, o pajé chegou até a ribanceira do Moxotó. Já anoitecera e tudo estava mais escuro devido ao ambiente de tristeza que rodeava o próprio rio. Ele se deteve e respirou. Não gostou nada da sensação que teve. O ar estava denso, cheirando a melancolia e desespero.

De repente, deu-se conta que, do outro lado do rio, uma pequena figura miúda, sentada sobre um tronco de madeira morta, estava à menina chorando em silencio. As roupas puídas demonstravam que nada  importava, só o seu sofrimento. A cena desse sofrimento humano tocou o coração do Pajé e ele, sem pensar muito, se jogou no rio e o cruzou numa rapidez incrível.

Todo molhado, aproximou-se de Alma e disse:

- Minha menina do rio. O Pajé Jabú esta aqui. Não chore. Tudo na vida tem solução.

- Não Pajé, a minha vida já não tem solução. Estou acabada. Meu namorado morreu, meu irmão também; minha família esta totalmente desesperada. Meu avô esta morrendo, não sei o que fazer. Acho que vou morrer também!

O Pajé acariciou a cabeça dela. A menina estava simplesmente desesperada.

- Não diga isso menina do rio!. Você viverá, e vai passar por tudo isso. Mas, escute bem – disse olhando nos olhos da menina chorosa – Você deve sair deste lugar. A sua família corre perigo e você corre perigo.

- Mas, como assim...e a minha família? Para onde devemos ir?

- Não, minha menina, não eles, você!! Você deve sair, você vai sobreviver...

- Mas..

O Pajé abriu uma sacola velha cheia de ervas e mostrou para ela.

- Esta sacola é para você. Nela você encontrará muitas ervas para a pele e também para doenças de pele. Se você a misturar com o barro deste rio, você vai se salvar, acredite.

Alma pegou a sacola e olhou para o velho com olhar intrigante. Não entendeu nada do que ele disse. O velho sorriu.

- Agora, talvez você não entenda, mas um dia vai entender. Agora vá minha filha, a sua mãe precisa de você.

Alma levantou-se e foi correndo para casa. O velho voltou para a tribo. De alguma forma, pensou que tinha cumprido a sua obrigação. Essa menina ainda daria muito do que falar.

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