“O PAJÉ”
Uma nuvem de fumaça parecia cobrir
todo o rio. O vento norte soprava furioso através das matas que circundavam o
Moxotó. Tudo parecia tenebroso. A noite escura era o refugio incólume deste
pesadelo. Visto do alto, o rio era testemunha silenciosa de uma ventania quente
que parecia devorar tudo o que encontrava. O fogo se expandia pela região e
trazia consigo um forte cheiro de canaviais queimados, de desolação e de
tragédia. No meio desse clamor de perigo e calamidade, o velho pajé corria em
direção à mata densa que ainda não fora queimada. Ele estava assustado, tremia
dos pés à cabeça e não entendia como estava nessa situação nem como tinha
chegado ai. No meio do rio, surgira a menina que ele conhecia, gritando de
desespero. Ele aproximou-se da beira do rio para salvá-la, mas ela parecia não
querer ser salva. O pajé ficou desesperado e gritou com ela, pediu para que se
aproximasse, que ele a salvaria. Ela só chorava. A angustia tomou conta do seu
rosto todo machucado, a pele um pouco queimada, a roupa encharcada de tristeza
e agonia.
O pajé Jabú acordou desse pesadelo.
Olhou para o lado da cabana e percebeu que estava suando e tremendo. O sonho
era terrível e era um aviso. A menina do rio precisava dele com urgência.
Levantou e preparou alguns mantimentos e avisou o cacique que precisava ir para
o Sertão nesse mesmo instante. Não quis escutar o apelo do chefe da tribo para
que esperasse o amanhecer. Não, ele tinha que ir imediatamente. E assim o fez.
Atravessou a longa mata que
circundava o São Francisco. Atravessou o largo rio num pequeno bote e chegou à
outra beira. Continuou caminhando sem parar, só parava para um pequeno descanso,
depois voltava o nosso caminhante a trilhar o caminho que o destino o
convocara. O objetivo era ajudar. Sua presença talvez seja importante, seus
conselhos decisivos para esclarecer a nuvem de dúvidas e tristeza que se
abatera sobre a menina do rio. Disso ele tinha certeza.
Após uma longa jornada, o pajé chegou
até a ribanceira do Moxotó. Já anoitecera e tudo estava mais escuro devido ao
ambiente de tristeza que rodeava o próprio rio. Ele se deteve e respirou. Não
gostou nada da sensação que teve. O ar estava denso, cheirando a melancolia e
desespero.
De repente, deu-se conta que, do
outro lado do rio, uma pequena figura miúda, sentada sobre um tronco de madeira
morta, estava à menina chorando em silencio. As roupas puídas demonstravam que
nada importava, só o seu sofrimento. A
cena desse sofrimento humano tocou o coração do Pajé e ele, sem pensar muito,
se jogou no rio e o cruzou numa rapidez incrível.
Todo molhado, aproximou-se de Alma e
disse:
- Minha menina do rio. O Pajé Jabú
esta aqui. Não chore. Tudo na vida tem solução.
- Não Pajé, a minha vida já não tem
solução. Estou acabada. Meu namorado morreu, meu irmão também; minha família
esta totalmente desesperada. Meu avô esta morrendo, não sei o que fazer. Acho
que vou morrer também!
O Pajé acariciou a cabeça dela. A
menina estava simplesmente desesperada.
- Não diga isso menina do rio!. Você
viverá, e vai passar por tudo isso. Mas, escute bem – disse olhando nos olhos
da menina chorosa – Você deve sair deste lugar. A sua família corre perigo e
você corre perigo.
- Mas, como assim...e a minha
família? Para onde devemos ir?
- Não, minha menina, não eles, você!!
Você deve sair, você vai sobreviver...
- Mas..
O Pajé abriu uma sacola velha cheia
de ervas e mostrou para ela.
- Esta sacola é para você. Nela você
encontrará muitas ervas para a pele e também para doenças de pele. Se você a
misturar com o barro deste rio, você vai se salvar, acredite.
Alma pegou a sacola e olhou para o
velho com olhar intrigante. Não entendeu nada do que ele disse. O velho sorriu.
- Agora, talvez você não entenda, mas
um dia vai entender. Agora vá minha filha, a sua mãe precisa de você.
Alma levantou-se e foi correndo para
casa. O velho voltou para a tribo. De alguma forma, pensou que tinha cumprido a
sua obrigação. Essa menina ainda daria muito do que falar.
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