sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAPITULO III PARTE III)


Às semanas deram lugar aos meses. Mas parecia que para a família Bezerra o tempo atuava em contra tudo o que eles queriam. O inquérito policial sobre a morte de Augusto e de Zé Rubião mostrava, cada vez mais, evidencias de que Gerônimo Bezerra era o culpado principal dos crimes. A polícia encontrou e prendeu os homens que foram pagos para efetuar o assassinato, e durante as investigações, eles confessaram que o filho do Coronel pagou uma boa quantia para eliminar o médico e o filho dos Rocha.

A noticia caiu como uma bomba em Inajá. Quando os presos chegaram para a cadeia da cidade, um grupo de pessoas reuniu-se em torno deles e ameaçava em lincha-los. De certo, o delegado teve que pedir reforço policial.

No dia seguinte, um dos assassinos amanheceu morto na cadeia, o outro, gravemente ferido. O rumor de que os Bezerra estavam envolvidos uma vez mais nisso tudo era claro e certo.

Dadá acordou bem cedo nessa manhã. Vestiu-se e disse para o marido que ia para o cemitério, visitar o túmulo do filho e do pai. Pediu que Alma a acompanhasse e, quando chegaram perto do Posto Malta, ele falou para  a filha:

- Fica aqui com seu irmão. Eu vou sozinha!

Alma ficou com Damião ajudando na venda.

O corpo diminuto da mãe dos Rocha atravessou a pequena praça e entrou na Prefeitura, ao lado da Igreja do Espírito Santo.

Nesse exato momento, o Prefeito de Inajá estava assinando alguns papeis e entregou ao secretario. Uma moça jovem de cabelos escuros entrou na sala e disse ao Coronel que alguém desejava vê-lo.

Bezerra mandou entrar. Quando viu a Dadá Malta na sua frente, ficou pálido como uma folha branca. A mulher de meia idade, de expressão severa aproximou-se da escrivaninha de madeira de peroba.

- Bom dia das Dores, espero que a sua família esteja..

Foi interrompido por uma inesperada e estrondosa bofetada.

Dadá estava irreconhecível.

- Você fará justiça à morte do meu filho! Mesmo que o seu seja o culpado, seu coronelzinho de merda!. A sua família pagará muito caro tudo de ruim que fez com muita gente. Eu te odeio Damásio Bezerra. Se tivesse forças, te matava agora mesmo. Mas você merece viver....e sofrer!!!!!

O Coronel, profundamente transtornado, sentou na mesa e não disse nada.

Dadá deu meia volta e saiu da sala.

A partir desse momento, Damásio Bezerra colocou a cruz sobre a família Malta.

- Malditos Rocha!!!...Pagarão muito caro por tudo isso!!! – disse gritando de raiva e amargura. – Vão pagar muito caro, muito caro!!!!

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PEQUENO DICIONARIO INTIMO


POESÍA


A poesia nada mais é do que a expressão mais exaltada do amor, paixão, emoções, tristezas, alegrias, mal entendidos, mesquinhez e lamento. Sim, a poesia também esta no lamento.

HAIKAI DE ENERO


Emerge sol,

Fulgurante

Estopor

de cansancio errante.

 

Estío silencioso

Verano de sol brillante

Muchedumbre extenuante.

 

Amanecer cálido

Infierno de mediodía

Melancolía,

arrebatando el día.

 

Rabioso sol de enero

Asfalto que arde

Búsqueda de sueños inexorable!

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAPITULO III PARTE II)


A morte covarde do doutor Augusto e do filho dos Rocha, provocou um escândalo na pequena Inajá. Após uma semana, a polícia de Recife chegou a Inajá para uma investigação sobre o duplo crime. O nome de Gerônimo Bezerra estava na mente e nas bocas de todos. Ninguém ousava falar em voz alta, mas todos sabiam que os Bezerra estavam com as mãos ensanguentadas. A revolta dos cidadãos  era visível e compreensível, mas a bomba que caiu sobre a família Malta Rocha era mais seria. Rubião Rocha foi pedir satisfação ao próprio Coronel Bezerra e se falava que tinha havido uma discussão inenarrável a portas fechadas. O Coronel tinha ameaçado o seu Rocha e obrigado a ele parar com as insinuações de que o seu filho estava metido no crime. Mas Rubião não era um homem de se calar. Procurou o delegado de Recife comissionado em Inajá e fez uma denuncia publica. Dias depois, um cidadão de Arcoverde tinha dito a policia que viu dois homens suspeitos armados num bar com Gerônimo Bezerra. A polícia só precisava prender os homicidas, mas não tinha pista de quem eram os homens. O processo continuou e cada dia uma novidade trazia alvoroço à pequena Inajá.

Dadá Rocha, preocupada com a saúde do pai, não tinha muito tempo para o desespero. Após chorar muito no enterro do filho, Dadá ficou com o coração de pedra. Toda emoção desaparecera do seu corpo e da sua alma. A filha Alma ficou preocupada. Às vezes, via a mãe taciturna e melancólica, mas sem lagrimas. Dadá passava o dia todo cuidando do velho Malta, que definhava a cada dia que passava. Uma onde de tristeza caiu sobre a família. Rubião abandonou o canavial. A família começou a ver a vida com desespero.

A desconfiança sobre a figura de Gerônimo Bezerra trouxe uma grande decepção e tristeza ao Damião Rocha. Ele, como amigo do Gerô, não queria acreditar nos rumores que o filho do Coronel, era o responsável pela morte de Augusto e do seu irmão mais novo. Após as primeiras semanas, tentou entrar em contato com ele, mas não conseguiu. Foi para Recife, mas não teve pistas de Gerô.

No meio à investigação criminal, morreu Seu Malta. O sofrimento da alma é pior do que a dolência física. A morte do seu amigo doutor e do seu neto, provocou uma decadência na alma e no corpo do avô de Alma. A pressão subiu, o coração não aguentou tanto sofrimento. Todos em Inajá, sabiam que o velho Malta morreu de desgosto.

Parecia que a via sacra da família Rocha não acabava nunca. Após o enterro do pai, Dadá voltou para casa. A venda continuou nas mãos de Damião.

De Gerônimo Bezerra, não se soube mais nada.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

PEQUENO DICIONARIO INTIMO


PERSEVERANÇA


É a arma mais visível da força de vontade.

MAÑANA DE ENERO


Mañana de enero

Mañana de verano

Brisa suave, esplendor y bonanza

Fantasías renovadas, luces de esperanza

Mañana calma de estío

Sensación de añoranzas

Renovación de deseos,

Sueños y nostalgias.

Mañana de enero

Rabioso sol, a la espera,

de un nuevo fragor del día,

de un nuevo reinicio de vida.

sábado, 25 de janeiro de 2014

SÃO PAULO DE MIL ROSTOS (POEMA)


SÃO PAULO DE MIL ROSTOS
E DE MIL AMORES,
DE MIL CANTOS FLORECIDOS
E DE MUITOS MONUMENTOS ESQUECIDOS.

MILHÕES DE PESSOAS
ABRAÇAM AS SUAS AVENIDAS
AMORES E PAIXÕES
COMEÇAM E ACABAM NAS SUAS ESQUINAS
OBSCURAS, MISTERIOSAS
ILUMINADAS , PEQUENAS E IMENSAS
SEDENTAS DE DINAMISMO
E A CADA MOMENTO, EXPLOSÃO DE REALISMO.

A REALIDADE ABRANGE
OS SEUS PARQUES, PRAÇAS E RUAS
OS SEUS OBSCUROS BECOS
A SUA AMBIÇÃO NUA.

CIDADE DE MIL CORES
E DE MIL AMORES
CAMALEÃO PERMANENTE
CINZA, AZUL, VERDE, BRANCO
VERMELHO, AMARELO FOSFORESCENTE

CADA AMANHECER,
MAJESTOSA E SILENCIOSA
A CIDADE ACORDA
SONOLENA E DISTANTE.
O SOL DE CADA MANHÃ
ILUMINA, TÍMIDO E SORRIDENTE
ANUNCIANDO QUE MAIS UM DIA CHEGOU
PARA A ETERNA CORRERIA DE TEUS HABITANTES.

SÃO PAULO DE MIL ROSTOS
PENSATIVOS E ALEGRES
DUVIDOSOS E TRISTES
SORRIDENTES E PACIENTES.

SÃO PAULO DE MIL AVENIDAS
DE MIL RUÍDOS, DE MIL MELODIAS
DE MIL MANIAS.

ESTONTEANTE, DISTANTE
ABSORVENTE, DOMINANTE
ALEGRE, PUJANTE
CHAMPAGNE BORBULHANTE.

SÃO PAULO DE MIL ROSTOS
TANTAS VEZES AMADA
TANTAS VEZES REJEITADA
MAS NUNCA ESQUECIDA.

SÃO PAULO 460 ANOS


 

SÃO PAULO: 460 ANOS


 

A cidade, a grande cidade. Ela me aconchega e me enche de luz. Ela é a minha cidade, o meu amor. E é nela que me envolvo de emoção, é nela onde vivo as intensas emoções dia após dia. Ela, a cidade me protege e me assusta, me acalenta e derrama sobre mim as feridas exauridas do seu sangue, mas ela é também a grande mãe que oferece o seu eterno amor”

Muitos dirão que esta cidade é louca e cheia de problemas, que não nos protege, mas nos ameaça, que é fria e calculadora, que é inconstante e cheia de perigo a espreita. Muitos falam, falam, falam.....mas, como deixar esta cidade e ir para outra? Como esquecer os seus mil recantos, o seu barulho e cacofonia, e ao mesmo tempo o seu silencio e a sua própria melodia?
Existem milhões de motivos pelo qual amo São Paulo. E a cada ano, no seu aniversario aproveito para pensar neles e saborear pouco a pouco todas as emoções e sensações que esta cidade me proporciona.
Nunca me senti ameaçado por ela. Ao contrario, ela me acolheu como acolhe tantos imigrantes de todo lugar. Ela é como a mãe amorosa que sempre tem um lugar no seu coração para todos os filhos e estranhos que chegam a ela para buscar abrigo.
Aprendi a ama-la quando comecei a conhecê-la canto por canto, pequenos espaços especiais, lugares impressionantes, paisagens únicas.
Posso caminhar pela querida Avenida Paulista em todo o seu percurso e sentir a vibração do seu sangue cosmopolita. Posso comparar esta sensação com uma avenida concorrida de Nova York ou uma esquina de Londres.
Posso sonhar na grama do querido parque de Ibirapuera, um dos melhores espaços verdes da cidade. Posso correr pelas suas ruas, sempre enlouquecidas pelo eterno trafego dos seus filhos, ou simplesmente caminhar por um bairro tranquilo e cheio de árvores e canto de pássaros numa manha de domingo. Posso sentar-me num barzinho dos Jardins, fazer um “brunch” em uma grande padaria de qualquer bairro. Posso me impressionar com a arquitetura dos edifícios antigos do seu centro histórico, as velhas calçadas, testemunhas de fatos históricos importantes, os seus monumentos esquecidos, as suas esquinas sonolentas e distantes, mas a qualquer hora cheias de vida. Posso, enfim, observar a cidade desde a Serra da Cantareira tendo como marco o verde esplendor das matas.
A sua grandeza nunca assusta, ela acolhe e acalma o espírito mais inquieto. Eis a minha cidade, magnífica, colossal, sofrida e amada. A grande, a maior, a sempre única e querida Sampa do meu coração.

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAPITULO III PARTE I)


“O PAJÉ”

Uma nuvem de fumaça parecia cobrir todo o rio. O vento norte soprava furioso através das matas que circundavam o Moxotó. Tudo parecia tenebroso. A noite escura era o refugio incólume deste pesadelo. Visto do alto, o rio era testemunha silenciosa de uma ventania quente que parecia devorar tudo o que encontrava. O fogo se expandia pela região e trazia consigo um forte cheiro de canaviais queimados, de desolação e de tragédia. No meio desse clamor de perigo e calamidade, o velho pajé corria em direção à mata densa que ainda não fora queimada. Ele estava assustado, tremia dos pés à cabeça e não entendia como estava nessa situação nem como tinha chegado ai. No meio do rio, surgira a menina que ele conhecia, gritando de desespero. Ele aproximou-se da beira do rio para salvá-la, mas ela parecia não querer ser salva. O pajé ficou desesperado e gritou com ela, pediu para que se aproximasse, que ele a salvaria. Ela só chorava. A angustia tomou conta do seu rosto todo machucado, a pele um pouco queimada, a roupa encharcada de tristeza e agonia.

O pajé Jabú acordou desse pesadelo. Olhou para o lado da cabana e percebeu que estava suando e tremendo. O sonho era terrível e era um aviso. A menina do rio precisava dele com urgência. Levantou e preparou alguns mantimentos e avisou o cacique que precisava ir para o Sertão nesse mesmo instante. Não quis escutar o apelo do chefe da tribo para que esperasse o amanhecer. Não, ele tinha que ir imediatamente. E assim o fez.

Atravessou a longa mata que circundava o São Francisco. Atravessou o largo rio num pequeno bote e chegou à outra beira. Continuou caminhando sem parar, só parava para um pequeno descanso, depois voltava o nosso caminhante a trilhar o caminho que o destino o convocara. O objetivo era ajudar. Sua presença talvez seja importante, seus conselhos decisivos para esclarecer a nuvem de dúvidas e tristeza que se abatera sobre a menina do rio. Disso ele tinha certeza.

Após uma longa jornada, o pajé chegou até a ribanceira do Moxotó. Já anoitecera e tudo estava mais escuro devido ao ambiente de tristeza que rodeava o próprio rio. Ele se deteve e respirou. Não gostou nada da sensação que teve. O ar estava denso, cheirando a melancolia e desespero.

De repente, deu-se conta que, do outro lado do rio, uma pequena figura miúda, sentada sobre um tronco de madeira morta, estava à menina chorando em silencio. As roupas puídas demonstravam que nada  importava, só o seu sofrimento. A cena desse sofrimento humano tocou o coração do Pajé e ele, sem pensar muito, se jogou no rio e o cruzou numa rapidez incrível.

Todo molhado, aproximou-se de Alma e disse:

- Minha menina do rio. O Pajé Jabú esta aqui. Não chore. Tudo na vida tem solução.

- Não Pajé, a minha vida já não tem solução. Estou acabada. Meu namorado morreu, meu irmão também; minha família esta totalmente desesperada. Meu avô esta morrendo, não sei o que fazer. Acho que vou morrer também!

O Pajé acariciou a cabeça dela. A menina estava simplesmente desesperada.

- Não diga isso menina do rio!. Você viverá, e vai passar por tudo isso. Mas, escute bem – disse olhando nos olhos da menina chorosa – Você deve sair deste lugar. A sua família corre perigo e você corre perigo.

- Mas, como assim...e a minha família? Para onde devemos ir?

- Não, minha menina, não eles, você!! Você deve sair, você vai sobreviver...

- Mas..

O Pajé abriu uma sacola velha cheia de ervas e mostrou para ela.

- Esta sacola é para você. Nela você encontrará muitas ervas para a pele e também para doenças de pele. Se você a misturar com o barro deste rio, você vai se salvar, acredite.

Alma pegou a sacola e olhou para o velho com olhar intrigante. Não entendeu nada do que ele disse. O velho sorriu.

- Agora, talvez você não entenda, mas um dia vai entender. Agora vá minha filha, a sua mãe precisa de você.

Alma levantou-se e foi correndo para casa. O velho voltou para a tribo. De alguma forma, pensou que tinha cumprido a sua obrigação. Essa menina ainda daria muito do que falar.

CALEIDOSCOPIO MOJADO


Lluvia de verano

Agua de enero

Densa, suave y temible,

mágica, luminosa y sensible.

Fulgor de estío, agua cristalina

Alegría perenne en mi alma inquieta

Dulzor de esperanzas, rincón de ilusiones

Banquete de fantasías, caleidoscopio

de eternas emociones.

O LOBO DE WALL STREET


O último filme de Martin Scorcese, “The Woolf of Wall Street” (O Lobo de Wall Street), é simplesmente impactante e politicamente incorreto, que oferece ao expectador um punhado de sequencias impressionantes de ousadia. Sim, “ousadia” é a palavra correta para descrever este filme que mostra o estilo de vida escancarado, regado de sexo e drogas no ambiente de Wall Street.

Leonardo Di Caprio (indicado ao Oscar de Melhor Ator) para o Oscar 2014, é Jordam Belfort, que conhece a riqueza que o dinheiro fácil proporciona e, passando por uma vida dedicada ao prazer, se encontra, como é lógico supor, numa decadência inevitável.

Scorcese, que já tem o seu nome gravado na historia do cinema por clássicos como TAXI DRIVER, OS BONS COMPANHEIROS, e TOURO INDOMAVEL, nos surpreendeu com o belo A INVENÇÃO DE HUGO CABRET, e agora se reinventa ao trazer à tona uma das historias mais amorais rodada nos Estados Unidos nos últimos anos.

 E é também por isso que O LOBO DE WALL STREET, é muito importante no cinema contemporâneo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

CRÔNICA 2014


2014: O ANO DAS DÉCADAS E DOS CENTENÂRIOS


 

2014 já entrou na historia como o ano em que lembraremos muitos fatos e acontecimentos históricos de natureza transcendental.

Em primeiro lugar, em junho, lembraremos o inicio da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a primeira Grande Conflagração Internacional que mudou totalmente a face da Europa e do mundo. No dia 28 de junho, em Saraievo, o herdeiro do Império Austro-Húngaro, o Arquiduque Francisco Ferdinand era assassinado junto à esposa. O crime desencadeou em menos de poucas semanas numa guerra em que o mundo não se recuperaria facilmente. Quando terminou, com a Conferência de Paris, em 1919, o mapa europeu tinha mudado. Caíram os Impérios Centrais: Austria-Hungria, Rússia, Alemanha e o decrépito Império Turco. Apareceram as republicas, os movimentos operários e sindicalistas ficaram mais fortes na França, Alemanha e Inglaterra. O custo da guerra trouxe fome, crise econômica, e grande depressão industrial.

Também lembraremos os oitenta anos da Constituição de 1934, consequência da Revolução Paulista de 32, que obrigou o, então ditador Getúlio Vargas a elaborar uma nova Constituição.

Em 1944, setenta anos atrás, nascia um compositor popular genial: Chico Buarque de Holanda. Músico, compositor, poeta do cotidiano, alguém que, nas suas músicas, soube explorar tão bem o sentimento feminino; escritor e sobretudo um intelectual da música.

Em 1954, São Paulo completava 400 anos de existência. Durante as grandes e inesquecíveis celebrações e festas, uma grande inauguração: O parque do Ibirapuera, pulmão da cidade, uma ilha de tranquilidade no meio do barulho da cidade.

No dia 31 de março, lembraremos os cinquenta anos do golpe militar. Inaugurava-se assim, uma terrível ditadura de vinte anos (1964-1984) que trouxe tantas consequências funestas para o País. Mas, o Brasil sobreviveu a ela.

Em 1974, um acontecimento musical importante: a gravação de uma musica de Tom Jobim, AGUAS DE MARÇ0, que ficara imortalizada na voz do próprio Jobim e da grande Elis Regina.

25 de janeiro de 1984, Praça da Sé, São Paulo. No aniversario da Cidade, uma multidão reunida pediu, pela primeira vez, eleições diretas. Isso seria o estopim para as grandes manifestações pelas DIRETAS JÁ. O País só conseguiria as eleições diretas em 1989, mas foi o inicio de uma luta civil de natureza transcendental.

1994. Entrava em vigor o PLANO REAL. O país começou a andar pela trilha de responsabilidade econômica e de certo progresso. Sem dúvida, após uma terrível inflação no final dos anos 80, a entrada em vigência de uma nova moeda forte, trouxe grande alivio para todos.

Em 2004, São Paulo completava 450 anos de existência. A cidade entrava assim ao novo século com a sua pujança e o seu desejo de progresso e de continuar sendo, a locomotiva do País.

domingo, 19 de janeiro de 2014

A GRANDE BELEZA, FILME


MUNDANIDAD Y ESPIRITUALIDAD EN “LA GRANDE BELLEZA”


 

La dualidad entre lo mundano y lo espiritual ha sido siempre un gran tema entre los directores italianos desde Fellini. Pues bien, LA GRANDE BELLEZA (LA GRANDE BELLEZZA), el largometraje del italiano Paolo Sorrentino, candidato al Oscar 2014 como mejor película extranjera, tiene como trama estos dos opuestos del hombre desde la perspectiva de un “bom vivant” vivido magistralmente por el actor Toni Servillo, como Jep Gambardella, escritor que, perambulando por la Ciudad Eterna, queda fascinado tanto por su mundanalidad como por su espiritualidad.

El protagonista es sublime y cínico. Desde su magistral terraza frente al Coliseo, ve pasar la banalidad de la Alta Sociedad. El viaje que nos muestra la película es simplemente fantástica. La fotografía de Roma es bellísima, la música de Lele Marchitelli nos evoca a Fellini en “8y ½”(1963) ;  en “Roma” (1972) cuando la cámara cinematográfica nos muestra los mejores ángulos de la capital italiana. Los enredos y cotilleos de la alta sociedad nos evoca a “La Dolce Vitta”(1960).

De todos modos, es una de las más sensibles e interesantes películas que he visto en este verano. Ha sobresalido en el Festival de Cannes 2013 y ciertamente, sería una injusticia que no llevara la estatuilla.

¿Por qué no hemos de querer sentir nostalgia, cuando vemos el futuro como incierto? Es una de las ideas centrales que extraigo de este verdadero, cine de arte.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

ROLEZINHO : DIVERSÃO OU PRECONCEITO?


“Rolezinho”: manifestação cultural. Reunião informal de jovens para divertir-se.

Sem dúvida o assunto do momento neste escaldante janeiro é o ROLEZINHO, ou seja, reunião informal de pessoas, especialmente jovens da periferia, que se reúnem em espaços específicos (aqui em São Paulo, tudo começou num Shopping Center), para se divertir. Não deveria haver nenhum problema nisso, já que os grandes centros comerciais recebem muita gente diariamente. O problema começou quando esses jovens, descritos como “simples” e, com “estranha aparência de humildes ou pobres”, provocaram pânico entre lojistas e clientes, correndo todos juntos pelos amplos corredores desses “shoppings”. A policia foi chamada, a segurança desses estabelecimentos entraram em ação, expulsando os “invasores” sob alegação de que estavam tumultuando o lugar.

Isso provocou na mídia em geral uma discussão importante. Em primeiro lugar, há quem diga que os “rolezinhos” devem-se à falta de espaços públicos para esses jovens da periferia; outros alegam discriminação e preconceito, porque essas pessoas não tem “o perfil” adequado para entrarem nos Shoppings Centers. Então, a discussão alcançou as mais altas esferas do governo. O que fazer com esses jovens?. Por um lado, os centros comerciais não são considerados lugares públicos, são espaços privados de comercio, e eles tem todo o direito de negar a entrada de pessoas que, consideram não “aptas” para o local; e por outro lado está o direito de “ir e vir” estabelecida na Constituição Nacional.

O assunto esta no tapete, nas ruas, nas mesas, no transito, em todas as bocas. Cabe ao governo municipal, estadual e federal estabelecer um critério justo e, não ter o impulso de rejeitar em forma violenta todo tipo de reunião, como ocorreu em junho de 2013.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

SOBRE HOMENS E OUTRAS HISTORIAS


AMIZADE VERDADEIRA


 

Aconteceu numa noite quente de verão escaldante. Gastão Camargo era um recruta da V Divisão da Infantaria do Regimento Militar, afincado em Sorocaba, interior de São Paulo. Gastão nunca quis ir servir o exército, talvez por discordar do regime militar imperante no País desde 1964. Pois é, agora, o próprio regime estava em declínio (já estamos no verão de 1981-82) e dois anos depois, o Brasil entraria numa convulsão popular pelas Diretas Já.

Às instalações do Quartel General ficavam fora da cidade, uns cinco quilômetros para ser exato. Gastão era de Santa Cruz do Rio Pardo, filho de um agricultor e de uma costureira de mão cheia. Pertencia a uma família simples, mas com boa instrução. Ao completar os dezoito anos, o pai insistira muito para que ele entrasse no exército. O jovem, para agradar o pai, aceitou.

Em Janeiro, em pleno verão, o interior de São Paulo é um inferno de calor. Às vezes não se consegue dormir nem com ventilador. Às madrugadas são quentes e a temperatura pode chegar a 26 graus; durante o dia passa dos 35.

Mas, logo que se apresentou, o nosso jovem personagem gostou do lugar, assim como dos colegas recrutas. O treino era muito puxado. Começavam às sete da manhã até às seis da tarde. Depois do jantar, todos iam para cama. Não tinha TV, nem salão de jogos. Alguns recrutas gostavam de ler revistas picantes de mulheres peladas, como é natural nessa idade. Gastão gostava de ler livros instrutivos. Na escola ele destacara-se por saber escrever muito bem, isso porque devorava livros. Nesse verão, estava lendo “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar.  Estava adorando.

Após um mês de treinamento pesado, em meados de fevereiro, saiu à lista de guardas que todos tinham de fazer durante esse período. Fazer guarda era ficar doze horas em pé durante o dia em um local específico do quartel, ou ficar seis horas durante o período noturno. Gastão fora designado para ficar enfrente à casa do Comandante Geral da V Divisão de Infantaria do Exército.

A casa do General José de Andrade Cruz, ficava no lugar mais alto do quartel. Para chegar até ela, se atravessava um terreno de árvores e moita, limite da área de treinamento dos soldados. Ela estava localizada numa pequena colina desde onde podia apreciar-se todos os prédios da Divisão.

A casa era pequena, porem charmosa. Tinha uma pequena varanda na frente e um pequeno jardim atrás. Pintada de branco, a casa parecia de contos de fadas vista de longe. De perto tinha a elegância de um pequeno chalé de campo.

O comandante era durão e intransigente. De vez em quando ele estava presente nos treinamentos, e a sua mera presença bastava para que aquele dia, os exercícios fossem mais extenuantes do que o normal.

A voz de trovão com que emitia as ordens fazia tremer a todos, desde os tenentes até os soldados comuns, ou seja, os recrutas.

O Comandante tinha dois filhos: uma filha e um filho. Gastão tinha visto o casal uma vez só, ao longe. A menina devia ter uns quinze anos, o filho, uns dezessete ou dezoito, ou seja, a mesma idade do nosso protagonista.

Então, na noite em que Gastão tinha que fazer a guarda perante a casa do comandante, o calor foi terrível. É fácil imaginar o incomodo que se sente ao estar de pé durante horas com o uniforme pesado do exercito, aguentando um calor noturno desses.

Gastão começou seu plantão de guarda às seis da tarde, quando o sol de verão ainda queimava. Suava gotas generosas de cansaço e de tédio. Não podia beber nada, nem sequer água, e muito menos comer. Quando deram às dez da noite, a casa estava vazia. Nem o comandante, nem sua mulher estavam. Mas uma luz que vinha da janela do quarto indicava que um dos filhos estava presente.

Meia hora depois, Gastão quase desmaiou de calor. Estava sedento. Imaginava água fresca e sucos de frutas. Sua mente estava nublada. Tudo parecia desabar dentro dele quando uma voz o trouxe de volta para a realidade:

- Olá, tudo bem? – disse um adolescente simpático, com um sorriso ingênuo e muito acima do peso.

- Olá – disse Gastão um tanto surpreso- tudo bem, e você?

- Ótimo. Estava olhando pela janela e imaginei que talvez você queira beber alguma coisa fresca. Quer água gelada?

Gastão não podia acreditar na bondade desse garoto, e disse rapidamente:

- Sim, por favor. Estou morrendo de sede.

O rapaz entrou correndo na casa e, minutos depois, voltou com uma jarra de água. Ele mesmo serviu o Gastão, que agradecido, retribuiu com um sorriso de satisfação,

- Obrigado. Meu nome é Gastão

- Eu sou Carlos, prazer. Deve ser entediante ficar aqui parado tanto tempo, especialmente com este calor.

- Sim, muito. E obrigado novamente pela água. Estava morrendo de sede. Você me salvou!

- Imagina. Não foi nada, simplesmente uma água.

- Espero poder retribuir este favor, algum dia.

- Não se preocupe – disse o filho do Comandante e voltou para casa.

O tempo foi passando, os dias viraram meses e os meses anos; às estações passaram e Gastão terminou o serviço militar e foi estudar a faculdade em São Paulo, capital.

Muitos anos depois de se formar em Direito,  ele morava num pequeno e aconchegante apartamento. Trabalhava na Avenida Paulista, num escritório jurídico e fez muitas amizades.

Chegou então o seu aniversário e um dos convidados, muito amigo dele, apareceu acompanhado de outro rapaz, da mesma idade deles. O rapaz era muito simpático e logo que Gastão o conheceu, gostou dele. De papo interessante e muito agradável, eles ficaram muito amigos. Pouco depois, Gastão foi convidado para jantar na casa do novo amigo.

Assim que ele entrou na casa, viu uma fotografia dos pais dele. O pai, trajado em galas militares era nada mais, nada menos, que o Comandante da V Infantaria do Exército, o General (agora aposentado) José de Andrade Cruz.

Carlos Cruz, o novo amigo de Gastão era o mesmo que lhe oferecera um copo de água fresca naquela noite quente de verão.  Gastão perguntou ao amigo  se ele  se lembrava do episodio, mas ele falou que não.

A amizade tinha começado muito tempo atrás, com uma jarra de água fresca.

Meditando sobre o assunto, Gastão lembrou de uma frase que tinha lido em algum lugar sobre a amizade verdadeira: “A amizade é um relacionamento perfeito, mas nossa humanidade ainda não sabe disso, pois, convencida de que todo relacionamento há de ter algum interesse envolvido, deixa de lado a preciosidade da entrega amorosa”.

 

F I M

LUNA DE ESTÍO


Luna oculta

de estío,

desborda emociones,

a través  de las nubes

entumecidas de rocío.

Luna vaga, difusa,

Perenne e  ilusionada,  de estío.

Ilumina con su opaca modestia,

el devenir de nuestras

cálidas noches de sueños;

de nuestros cálidos amaneceres,

mezclados de plegarias

y deseos enardecidos.

Luna mágica de estío

Misteriosa ensoñación

Oculta su hechizo

con curiosa fascinación.

A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM


Construir um personagem é como morrer um pouco. Sofrimento e apreensão são sinônimos na hora de escrever, de criar a vida de alguém que, depois de sair da sua mente, terá vida própria. Depois virá o terrível exercício de ficar independente dessa figura estranha saída de você mesmo. O oficio de escrever um personagem é, de certo, visceral. Uma famosa escritora tinha dito que ela morria um pouco toda vez que terminava um livro, pois os personagens adquirem vida própria e também gostam de flutuar dentro de nos como se fossem nosso “alter ego”.

Agora estou vendo o sofrimento de um personagem criado por mim. Eu fiquei muito emocionado com a independência que adquiri, desde o começo, com ele. Mas agora, devo fazer que ele enfrente uma tragédia pavorosa. Isso me faz sofrer. Talvez porque eu percebi que não tenho o poder de impedir o seu sofrimento. É uma loucura. Eu posso criá-lo, mas não posso fazer nada para impedir o seu destino. E numa inspiração irracional, o seu destino é sofrer e tentar se salvar. De qualquer forma, o  destino do personagem é independente do meu e isso é algo impressionante.

Muitas vezes me perguntei o porque disso tudo. Mas, como tudo na vida e não encontrei resposta. Só sei que o “meu sofrimento” ao ver os meus personagens sofrendo, nada tem de diferente do sofrimento do ser humano nesta complexa e inebriante vida.

 

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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

ESTIO (POESIA)


No meio do

escaldante verão,

a fogueira das paixões

se enchem de leve entedio,

neste infernal estio.

Então a chuva,

bendita chuva de verão,

molha os meus medos;

atiça minha inspiração.

O suor de rostos pálidos

Enfeitiçam a cidade nua

Espairecem-se os pensamentos

na quietude das noites áridas.

O vai e vem das emoções

Dispersam paixões desabridas

A esperança se distribui,

pela solidão das ruas vazias.

SOBRE HOMENS E OUTROS DESTINOS (CONTOS)


O VELHO DO PARQUE TRIANON

 
De vez em quando costumo ir ao parque Trianon. Aquele que se encontra no coração da Avenida Paulista, aquele que tem mata atlântica conservada no meio da floresta urbana, aquele em podemos desfrutar, mesmo que por algum momento, do silencio e do frescor em meio à confusão que é a avenida cosmopolita.

Numa certa manhã de segunda feira, quando o calor escaldante de janeiro me obrigou a entrar no parque, comecei a andar pelas trilhas calmas que me tranquilizaram imediatamente. Havia muita gente. Crianças brincando num pequeno parquinho, bem no meio da mata, senhoras conversando em pequenos bancos de madeira, jovens apaixonados se beijando em algum canto oculto entre as matas, em fim, uma mistura de vida e de urbanismo, de civilidade e de entretenimento.

Pois bem, quando por fim encontrei um lugar para sentar. Fechei os olhos e respirei o ar puro que vinha das árvores. Ao longe o canto de passarinhos, me fez lembrar da vida do campo. Tudo parecia tão tranquilo, tão distante, tão feérico.

Quando abri os olhos percebi que alguém sentava ao meu lado. Um homem idoso, muito idoso, parecia cansado e olhava as árvores com assombro. O rosto cheio de marcas do passado, não saberia dizer que tipo de passado, o corpo encurvado, talvez pelos anos de solidão e de sofrimento, talvez por um passado de trabalho pesado, talvez, talvez....De repente o homem olhou para mim. Vi nos seus olhos a marca da tristeza, da saudade, do abandono. Porém, estava bem vestido, e me chamou a atenção a sua bengala, que parecia de marfim.

- Bom dia meu jovem – disse tentando sorrir

- Bom dia, senhor – respondi algo intrigado – lindo dia, não?

- Sim, de fato é um lindo dia. La fora é tudo cacofonia, tudo muito barulhento, tudo é uma confusão, como a vida em que vivemos, mas aqui...aqui dentro tudo é paz – disse olhando a mata.

- Deveria vir mais aqui. Confesso que passo pelo parque quase todos os dias e poucas vezes costumo entrar. Deveria entrar mais vezes e desfrutar deste pequeno paraíso no meio da cidade.

- Eu venho todos os dias, sempre, no mesmo horário. É o que se espera de um aposentado, sozinho, como eu, não é?

Olhei para ele intrigado.

- Bem, imagino que para um aposentado, os dias devem passar lentamente!

- Não tão lentamente como gostaria – disse com um suspiro – Às vezes passa tão rápido que quando percebemos estamos velhos e sozinhos. Quando era jovem, meu jovem,  nunca pensei que chegaria a minha idade tão avançada. A velhice deveria ser mais compartilhada, sabe, acho que chegar a uma certa idade e sozinho, é muito pior.

- O senhor não tem família?

- Não, estou completamente só no mundo. Minha mulher faleceu, minha única filha também. Ela nunca casou e não me deu netos.

Nesse momento, percebi um sotaque, algo muito diluído, mas um sotaque estrangeiro.

- Desculpe perguntar, mas, o senhor é brasileiro?

- Sou brasileiro de coração, de adoção. Mas nasci na Polônia e cheguei ao Brasil bem adulto, aos trinta e cinco anos, após a Segunda Guerra.

- Impressionante!. O senhor lutou na guerra?

- Não, fui prisioneiro de guerra. Estive num campo de concentração, em Auschwitz, ouviu falar?

Ao mencionar essa palavra dilacerante, meu coração estremeceu e um instantâneo sentimento de caridade e humanidade tomou conta de mim, mas tentei não demonstra-lo.

- Sim, ouvi falar sim. É arrepiante. Sinto muito.

- Não precisa sentir meu jovem – disse o velho sorrindo – a sua geração nem este país tem culpa de nada. Na verdade, até hoje procuro saber quem é realmente culpado, ou se existe algum culpado.

- Sim, imagino que é fácil culpar os alemães, mas certamente os nazistas são responsáveis por esse holocausto. Me desculpa,..... senhor?

- Abraão, Moisés Abraão, seu servidor.

- João Carlos Silveira, prazer em conhecê-lo Senhor Abraão.

- O prazer é meu. Normalmente eu não costumo falar de mim, mas senti que o jovem pareceu interessado na vida deste velho inexpressivo.

- Inexpressivo? Não, nenhum ser humano é inexpressivo. Todos temos uma história de vida que contar, especialmente um idoso, sempre tem. Mas, então, o senhor não tem nenhum parente aqui na cidade?

- Nem na cidade, nem no país. Tenho alguns primos que moram nos Estados Unidos. Alguns anos atrás, quando a minha mulher, Sarah, morreu, eles me mandaram cartas, insistindo para ir morar lá com eles. Mas não aceitei. Gostava do meu trabalho. Tive uma Alfaiataria no Bom Retiro. Fiz muito terno para os meus patrícios e também para outros. Gostava de confeccionar ternos.

Nesse instante, percebi que estava usando um terno muito elegante, um tanto velho, mas elegante.

- Sim, gostei do seu terno. Foi o senhor que fez?

- Sim, está muito velho. Este é da minha coleção dos anos setenta.

- Quantos anos o senhor trabalhou como alfaiate?

- Por cinquenta anos. Desde que cheguei ao Brasil em 1947.  Aposentei em 2001.

- Muito tempo mesmo. Por que quis ser alfaiate?

- Antes da guerra, eu era arquiteto, mas quando cheguei ao Brasil não tinha como comprovar os meus estudos, meus diplomas e certificados, documentos e papeladas desapareceram durante a guerra, então, o primeiro emprego que consegui, foi numa alfaiataria de outro judeu no Bom Retiro. Ali aprendi o novo oficio. No começo achava estranho, mas depois fui acostumando e terminei apaixonado pela alfaiataria.

- Impressionante. E foi aqui que conheceu a sua esposa?

- Sim, ela chegou ao Brasil pouco depois de mim. Eu a conheci aqui, sim. Casamos em 1950 e tivemos dois filhos. O mais velho era um menino que morreu dias após de nascer; a menina Miriam, nasceu em 1954 e morreu aos quinze anos de difteria.

- Sinto muito. Imagino a dor que deve ter passado.

- Não meu jovem, quando se é sobrevivente de um campo de concentração, acaba não sentindo mais dor, a dor se transforma em humilhação, uma humilhação de vida. Mas, o homem nasceu para viver, e a vida também é sofrimento e humilhação.

- Sim, também acho isso. – Olhei para ele e disse quase sorrindo - O senhor é um sobrevivente da vida, o senhor é um ser humano forte como o aço. Com tudo que passou, ainda está de pé e isso é incrível.

- Ainda não entendi de onde tirei forças, mas consegui reuni-las na minha vida, consegui me fortalecer de algum jeito que não sei. Mas consegui.

- Senhor Abraão, me desculpe, mas, quantos anos o senhor tem?

- Noventa e nove. Farei cem no próximo 1 de maio.

- Noventa e nove!!! – disse impressionado – Meu Deus, o senhor é um exemplo de vida.

- Não sou exemplo de nada meu jovem. Cada um nasce e vive a vida como deve ser. Alguns tem sorte de morrer jovem como os meus filhos, outros morreram de sofrimento em Auschwitz, e a mim, tocou viver o máximo possível, e só Deus sabe a razão, o por que disso tudo.

- Senhor Abraão....Posso lhe pedir um favor?

- Sim, meu jovem, fale..

- Posso, de vez em quando, vir até aqui conversar com o senhor?

- Claro, mas, por que?

- Porque o senhor é um exemplo de vida. A sua historia pessoal é um exemplo a seguir, um exemplo de sobrevivência, porque o senhor faz com que eu aumente a minha esperança na vida, e isso estimula a minha humanidade.

- Mas claro meu jovem, mas eu não sou exemplo de nada. A sua juventude deveria bastar, não acha?

- Não acho, Seu Abraão, a minha juventude é só um trampolim para que eu possa arriscar, mas ela não me dá a certeza de como hei de enfrentar a vida. A sua historia me ajuda muito a enxergar coisas que até agora eu não enxergava. Obrigado por isso.

- Não deve agradecer meu jovem. Temos que ser fortes, até o fim.

Depois dessa despedida, voltei varias vezes ao Trianon e nunca mais revi o Seu Abraão. Talvez conseguiu chegar aos cem anos, talvez morreu antes; talvez, talvez.

Nunca esquecerei esse singular encontro com o velho do Parque Trianon.

 

F I M

 

 

 

 

 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAPITULO II PARTE VIII)


Numa certa tarde de sábado quente do sertão, Augusto Tristão foi até a casa dos Rocha visitar a sua namorada. Assim que chegou, Dadá lhe disse que Alma havia ido para o rio tomar banho. Ele, então, pediu permissão dela para se encontrar com a moça. Dadá não pôs nenhum obstáculo, inclusive disse para ele que ela mesma já ia chamar Alma para que voltasse para casa.

- Pode ir, doutor, já é hora dela voltar.

Augusto seguiu pela mata que levava ao rio Moxotó e assim que chegou a beirada, viu a moça tomando banho, desfrutando da tarde quente.

Ele chamou a moça, que rapidamente saiu da água e se juntou a ele.

- Oi meu amorzinho, estava aproveitando a tarde quente?

- Sim, Guto, a água esta morninha...adoro tomar banho no rio.

- Meu amor lindo – disse o médico e beijou-a com paixão.

Os dois não perceberam que estavam sendo observados. Gerônimo Bezerra estava atrás de uma moita, a certa distancia, olhando o que acontecia na beira do rio. Ele não resistiu e saiu correndo da mata e pegou Augusto por trás.

Quando Alma viu o Gerô se aproximar, gritou:

- Guto, cuidado.

Gerô se jogou encima do doutor e o derrubou a socos e pontapés. Guto recuperou-se rapidamente e começou a bater o rapaz com raiva. Aos gritos, Alma correu até a casa pedir ajuda. Enquanto isso os dois continuavam uma luta incessante que o arrastou até o rio. Os dois homens jovens, molhados, continuavam aos pontapés quando apareceu Seu Rubião e o filho mais novo que conseguiu apartar os dois combatentes.

- Parem já com isso – gritou seu Rubião.- Bezerra, vá para casa. Vou falar com teu pai sobre tudo isso. Sei muito bem que foi você quem provocou toda esta baderna.

Gerô, com o rosto ensanguentado, gritou para o médico:

- doutorzinho de merda!. Vai me pagar por isto!. Juro que vai!!!!- e desapareceu na mata.

Dois dias após o incidente do rio, Rubião Rocha foi falar com o prefeito Bezerra e contou o que tinha acontecido.

- Coronel Bezerra, o senhor concorda que tudo isso pode levar a situações mais serias. Temos que fazer alguma coisa.

- Sim, seu Rubião. Concordo. Vou mandar o meu filho de volta para Recife. Não pode continuar assim.

Uma semana depois. Gerônimo Bezerra partiu para a capital. Parecia que a tranquilidade voltou para as vidas de Alma e Guto.

Guto recebeu um telegrama do pai, que pediu a ele ir no final de semana. O médico aprontou-se para a breve viagem. Decidiu ir de carro e convidou o irmão de Alma, Zé Rubião para acompanha-lo. Para o jovem que quase nunca saia de Inajá, foi uma ocasião muito feliz em poder visitar a capital. Os dois aprontaram-se e após se despedir da família, partiram numa manhã de sábado.

- Estaremos de volta na terça – disse Guto à Alma beijando-a na face.

- Esta bem. Se cuida meu querido – disse Alma retribuindo o beijo.

O carro levando os dois jovens tomou rumo a Recife pela estrada de terra que levava até Arcoverde. Uns dois quilômetros antes de chegar a essa cidade do sertão de Moxotó, o carro parou. Os dois desceram para ver o que tinha acontecido, quando de repente foram atacados por três homens a cavalo com armas de fogo nas mãos. Sem poder fazer nada, os homens atiraram nos dois jovens que caíram ao lado do veículo.

O sol quente do sertão brilhou sobre o carro e sobre os corpos  jogados na estrada. Um dos jovens morreu na hora, o outro, ainda teve tempo de abrir os olhos e olhar para o céu azul da manhã. Viu o rosto sorridente da moça bonita e atraente que o tinha cativado ao chegar a Inajá. O ultimo pensamento foi de como amava a moça e como ela o fizera feliz.

- “Alma”, suspirou e fechou os olhos para sempre.

 

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