sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

ATO GRATUITO ( PARTE III )



Aqueles que acreditam, dizem que o ato gratuito é um ato de fé. A manifestação da vontade divina na alma humana. Assim pensaram os santos, os místicos, as luzes da inteligência católica, e também teólogos famosos. O ato gratuito ou ato de fé é também produzido quando a alma humana está em estado de graça. Ou seja, aqueles leves e efêmeros momentos em que a divindade visita a mente e o espirito do homem.
Para outros, é um mistério que é gerado, talvez na mente humana, que é por certo um cofre misterioso de milagres e de invenções. A inteligência do homem é um dos mais grandes mistérios filosóficos e científicos até hoje.
Seja qual for a causa – que é melhor que seja desconhecida – o certo é que o ato gratuito nos faz humildes. É com humildade e simplicidade que o homem percebe quando recebe este dom. Só na humildade é possível exercer esse ato sem medos.
A luta pela vida, ou seja, aquela que o mundo nos obriga a confrontar: fome, medo, preocupações, doenças, egoísmos, ódios, guerras, angustias do dia a dia, desaparecem como névoa diante da luz do sol que é o ato gratuito. Não estou dizendo que a pessoa que realiza este ato não veja todos esses conflitos na sua vida, estou dizendo que o ato gratuito é tão forte que esses conflitos do mundo parecem insignificantes, e nada abala o caminho traçado pela alma humana ao ter este dom.
O ato gratuito é também, em parte sinônimo de felicidade. Ou seja esses lampejos circunstanciais de paz e bem estar na vida, essa alegria que vem do íntimo da própria alma do homem gerando amor e coração puro.



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Certa vez uma mulher jovem e empreendedora, abastada e cheia de privilégios, não se sentia completa. Tinha um excelente marido, bons filhos educados e uma família bem constituída. Mas ela não era feliz. Sentia que faltava algo na sua vida. Isso, as vezes provocava nela angustia que nem a terapia, que ela começara a fazer conseguia diluir ou explicar.
Até que um dia, a família foi passar férias no nordeste. Alugaram um carro e começaram a explorar todo o litoral de Alagoas e Sergipe. Quando entraram numa trilha de dunas, o carro quebrou. Fazia um calor insuportável e eles tiveram que caminhar até uma vila que ficava a 3 km dali. Enquanto caminhavam uma das filhas passou mal, estava tendo uma insolação bem forte e desmaiou. Eles ficaram desesperados até que o marido avistou uma pequena casa de barro perto da estrada por onde caminhavam. Foram até lá e levaram a filha desmaiada. Na casa morava uma família pobre, paupérrima, de cinco filhos pequenos. A mulher cuidou da menina fazendo um chá de ervas e colocando na frente do rosto adormecido da pequena que começou a melhorar.
Então a mãe da menina olhou em volta e viu o verdadeiro rosto da pobreza. A família não tinha o que comer todos os dias, o pai era pescador mas nem todos os dias trazia peixe. Os filhos mais velhos tinham que caminhar, descalços, por quase 10km para a escola mais próxima. Tudo era surreal.
E nesse momento, como por um mistério inesgotável do coração humano, a mulher teve o pensamento, o ato gratuito de ajudar essa e muitas outras famílias.
Não descansou até concretizar um projeto que tinha de ajuda e assistência social para as famílias carentes do nordeste. Abriu uma ONG e começou a procurar sócios e patrocinadores. Em menos de um ano, sua instituição começou a construir casas para essas famílias, escolas, creches e o mais importante, criar fontes de trabalho através de pequenas empresas que ela ajudou a se estabelecer na região. Com um choque de realidade, lhe veio um pensamento, um ato gratuito para poder, com humildade e sem medos, ajudar a milhares de pessoas. Isso é um exemplo de ato gratuito.
A mulher que sempre achou que faltava algo na vida dela, nunca mais teve essa angustia. Com seu ato gratuito, sua vida ganhou em humanidade e solidariedade.

ALMA, A FILHA DO DESTINO (CAP. VII PARTE II)



Para surpresa de todos os que a conheciam, Margarete Brigny voltou ao trabalho dois dias depois do funeral do seu único filho. O trabalho era o seu antidoto contra a tristeza. Ela se recusava a chorar, se recusava a se lamentar. Tinha uma vida, agora sozinha e nela estava o único caminho que tinha para trilhar por um futuro, bem, incerto talvez, mas isso não importava. Agora tinha que tocar o negócio, tinha que continuar viajando a Saint Assise, tinha que cumprir com os pedidos da loja, tinha que continuar vivendo.
Nessa manhã chuvosa, ela atendeu alguns clientes e enviou muitos pedidos. Contratou um rapaz cheguem chegado de Nantes, chamado Luc Garry e mais uma moça do mesmo bairro, Montmartre: Isabelle.
- Isabelle, por favor, entrega isso a Madame...- Ela viu Gerard na porta de entrada tentando deixar o guarda-chuva em algum lugar.
- Bom jour, Madame Brigny.
- Bom jour Monsieur Dupont, pode deixar o guarda-chuva ai, ao lado.
- Obrigado.
- Quer tomar um café, vamos na sala do lado, conversaremos mais tranquilos.
- Tudo bem. Obrigado.
Entraram numa pequena sala minúscula, cheia de livros, anotações. Margarete serviu o café ao Gerard e sentou-se diante dele.
- Como vai Margarete?
- Dentro de tudo, bem. Voltei com tudo ao trabalho. É o que me resta, não é?
- Sim, é o que resta – disse algo pensativo - , a senhora é muito forte, percebe-se. Eu sempre admirei pessoas fortes, pessoas que enfrentam tudo o que a vida lhes oferece, tanto de bom como de ruim, e conseguem viver com a mesma sabedoria, com mais cansaço, talvez, mas com muito garbo.
Margarete tomou seu café e olhou para o pai de Claire.
- Obrigada. Como está a nossa menina? Com toda esta confusão, esqueci-me dela e nem tive tempo de visita-la.
- Madame, é ela quem deve vir visita-la, mas estou preocupado com ela.
- Por que?
- Ela não sai do quarto há mais de duas semanas, desde que voltou de Saint Assise, e está imersa, temo, num quadro de depressão agudo.
- Pobre menina. Temos que tirá-la desse ambiente.
- Sim, por isso vim. Me perdoe, eu sei que a senhora está passando por um momento muito forte e tem que lidar com sua perda que é inimaginável, mas, Margarete, eu não sei mais a quem pedir ajuda.
- Não se preocupe – disse Margarete quase sorrindo – eu irei vê-la amanhã e tentarei falar com ela.
- Obrigado, Margarete, obrigado. Eu, eu nem sei como lhe agradecer. Somos nós que devemos lhe dar toda a ajuda possível.
- Mas nós somos fortes, Gerard. Ela não. Ela já passou por muita coisa e só tem dezoito anos.
- Estamos mais calejados com a dor, não é Margarete?
- Sim, monsieur Dupont. Devemos ajudar Claire. Ela precisa de nós. Fez bem em vir me ver. Minha dor e minha perda serão de alguma utilidade para a pequena Claire.