quarta-feira, 9 de agosto de 2017

DECLARAÇÃO DE AMOR À LÍNGUA PORTUGUESA

Apesar de nascer e ser criado no mundo do espanhol – minha língua mãe – desvelar os mistérios do português através de sua vasta literatura, da sua complexidade desafiadora e das suas construções gramaticais mirabolantes,  e apesar de todas as dificuldades e durezas, extrai dela a pureza e a delicadeza do seu mistério, como uma flor rara que se encontra por primeira vez e que permite revelar os seus segredos.
Neste exato momento da minha vida cultural, o espanhol e o português são as colunas que sustentam o vasto edifício dos meus pensamentos, dos meus raciocínios, das minhas inspirações literárias. Através da poesia enfrento o mundo; minhas armas são as palavras e o fruto da minha inspiração consciente. Essa consciência vem do mundo interior e exterior, das minhas impressões, das minhas emoções.
Clarice Lispector – e peço permissão para copiar uma frase dela sobre a língua portuguesa- escreveu: “Esta é uma confissão de amor. Amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é não ter sutilezas...”
Que melhor confissão que essa?. Clarice disse que a tendência do Português é não ter sutilezas. É uma língua de uma direção só. Ela não se dá muito bem nas folhagens da gramatica. Ela pertence ao tronco principal. As palavras tem um significado preciso e forte, e direto, e duro. O abstrato do pensamento foge um pouco dela, e é por isso que a Lispector acha que a língua portuguesa é “um verdadeiro desafio para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo”
Quando aparece um pensamento mais complexo ou complicado, a língua portuguesa reage a ele dando respostas mais sérias e, às vezes, até abruptas. “Às vezes a língua portuguesa se assusta com a imprevisibilidade de uma frase”, continuava Clarice.
Acostumado ao raciocínio e ao pensamento espanhol que, considero mais abstrato que o português, a língua portuguesa me surpreende com um “quê” de ingenuidade, de pureza que não é a mesma coisa que sutileza. O espanhol tem vocabulários riquíssimos para descrever todas as situações da vida humana de forma sistemática e precisa. Com o português, o vocabulário é mais aberto a mais possibilidades de pensamento, como um feixe de luz sobre as sombras do saber.
“Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida”
Não existe maior declaração de amor que esta. Clarice entendia no profundo do seu âmago que queria desesperadamente desvendar todos os mistérios da língua, o qual é impossível.
O meu amor à língua portuguesa, sem dúvida tem na Clarice Lispector uma aliada incondicional. A forma como ela elabora os pensamentos profundos usando os signos de pontuação, respeitando o silencio e a complexidade da sua inspiração literária são certamente impressionantes,  mas junto a ela estão alguns expoentes dessa complexidade do pensamento da língua : os poetas Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Manoel Bandeira, ou o grande Guimarães Rosa, que nos deixaram frases que resumem aquela “abstração e liberdade de interpretação” que os vocabulário português nos oferece.
Como não sentir admiração com esta frase de Drummond: “Há certo gosto em pensar sozinho. É um ato individual, como nascer e morrer”
Ou, ficar estarrecido com esta frase de Fernando Pessoa: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”
Guimarães Rosa me fez pensar pelo menos um dia inteiro com esta frase monumental: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então com os homens?”
“Quero a delicia de poder sentir as coisas mais simples”, de Manoel Bandeira.
Termino com a delicadeza e a profundidade da poetisa mineira Adélia Prado, a quem simplesmente posso dizer que sua poesia é vida, pois há vida quando as palavras chegam até o coração humano:  “Não tenho tempo algum, ser feliz me consome”.

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