Apesar de nascer e ser criado no mundo do espanhol – minha
língua mãe – desvelar os mistérios do português através de sua vasta
literatura, da sua complexidade desafiadora e das suas construções gramaticais
mirabolantes, e apesar de todas as
dificuldades e durezas, extrai dela a pureza e a delicadeza do seu mistério,
como uma flor rara que se encontra por primeira vez e que permite revelar os seus
segredos.
Neste exato momento da minha vida cultural, o espanhol e o
português são as colunas que sustentam o vasto edifício dos meus pensamentos,
dos meus raciocínios, das minhas inspirações literárias. Através da poesia
enfrento o mundo; minhas armas são as palavras e o fruto da minha inspiração
consciente. Essa consciência vem do mundo interior e exterior, das minhas
impressões, das minhas emoções.
Clarice Lispector – e peço permissão para copiar uma frase
dela sobre a língua portuguesa- escreveu: “Esta é uma confissão de amor. Amo a
língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi
profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é não ter
sutilezas...”
Que melhor confissão que essa?. Clarice disse que a tendência
do Português é não ter sutilezas. É uma língua de uma direção só. Ela não se dá
muito bem nas folhagens da gramatica. Ela pertence ao tronco principal. As
palavras tem um significado preciso e forte, e direto, e duro. O abstrato do
pensamento foge um pouco dela, e é por isso que a Lispector acha que a língua
portuguesa é “um verdadeiro desafio para quem escreve tirando das coisas e das
pessoas a primeira capa de superficialismo”
Quando aparece um pensamento mais complexo ou complicado, a
língua portuguesa reage a ele dando respostas mais sérias e, às vezes, até
abruptas. “Às vezes a língua portuguesa se assusta com a imprevisibilidade de
uma frase”, continuava Clarice.
Acostumado ao raciocínio e ao pensamento espanhol que,
considero mais abstrato que o português, a língua portuguesa me surpreende com
um “quê” de ingenuidade, de pureza que não é a mesma coisa que sutileza. O
espanhol tem vocabulários riquíssimos para descrever todas as situações da vida
humana de forma sistemática e precisa. Com o português, o vocabulário é mais
aberto a mais possibilidades de pensamento, como um feixe de luz sobre as
sombras do saber.
“Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que
a minha abordagem do português fosse virgem e límpida”
Não existe maior declaração de amor que esta. Clarice
entendia no profundo do seu âmago que queria desesperadamente desvendar todos
os mistérios da língua, o qual é impossível.
O meu amor à língua portuguesa, sem dúvida tem na Clarice
Lispector uma aliada incondicional. A forma como ela elabora os pensamentos
profundos usando os signos de pontuação, respeitando o silencio e a
complexidade da sua inspiração literária são certamente impressionantes, mas junto a ela estão alguns expoentes dessa
complexidade do pensamento da língua : os poetas Drummond de Andrade, Fernando
Pessoa, Adélia Prado, Manoel Bandeira, ou o grande Guimarães Rosa, que nos
deixaram frases que resumem aquela “abstração e liberdade de interpretação” que
os vocabulário português nos oferece.
Como não sentir admiração com esta frase de Drummond: “Há
certo gosto em pensar sozinho. É um ato individual, como nascer e morrer”
Ou, ficar estarrecido com esta frase de Fernando Pessoa: “Às
vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter
nascido”
Guimarães Rosa me fez pensar pelo menos um dia inteiro com
esta frase monumental: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então com
os homens?”
“Quero a delicia de poder sentir as coisas mais simples”, de
Manoel Bandeira.
Termino com a delicadeza e a profundidade da poetisa mineira
Adélia Prado, a quem simplesmente posso dizer que sua poesia é vida, pois há
vida quando as palavras chegam até o coração humano: “Não tenho tempo algum, ser feliz me
consome”.
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