domingo, 16 de maio de 2010

A VENDEDORA DE ROSAS


Eram as rosas mais lindas que eu já vi na minha vida. De todas as cores, vermelhas, brancas, rosas bem rosadas, todas pareciam ter sido arrancadas de um jardim desconhecido e mágico. As pequenas mãos de joaninha transportavam cestos de rosas e pés pequenos de princesa caminhavam por todas as ruas do bairro tão conhecidas por ela.
A moça, a mulher que nunca foi mãe, que nunca foi casada, que nunca plantou uma arvore, mas rezava, continuava diariamente o seu trabalho lúcido e inocente, puro e cristalino como água de fonte virgem que oferecia sorriso e bálsamo por onde passava.
A moça vendia rosas e para algumas pessoas vendia sonhos. Muitos apaixonados compravam as rosas e ofereciam as portadoras do objeto de desejo este presente singelo e simbólico de amor puro. E ela era a ponte, o nexo, entre os sentimentos das pessoas que compravam os sonhos que ela vendia.
Angélica adorava andar pelas ruas do seu bairro vendendo rosas. Por que não outras flores? Todos perguntavam. Porque rosas são as melhores flores, respondia ela na sua simplicidade infantil e sua doçura sutil de mulher que vivia num mundo de rosas.
Angélica nunca teve filhos, mas todo o seu lado maternal se derramou nas rosas...As rosas não falam mas escutam, as rosas são cheirosas e perfumadas,enquanto os simples mortais tomam banho e se arrumam para ir a alguma festa.
As vezes Angélica ficava em silencio, olhando as rosas
Uma noite, Angélica estava na Avenida Paulista, perto da casa das Rosas e viu um casal de recém casados que tiravam fotos na avenida, no meio do tráfego numa noite de sábado. Angélica parou para ver a sessão de fotos dos noivos, e se aproximou para oferecer ao casal uma rosa vermelha. “Que nunca falte paixão nas suas vidas” disse inocente. A noite, bela e triunfante, branca e sorridente no seu vestido vaporoso, pegou a rosa e não disse nada. Ficara emocionada. Abraçou-a e lhe deu um beijo na frente.
Angélica sorriu feliz..A través de uma simples rosa, ela tinha dado , talvez, o melhor presente para aquela nova mulher casada .
Uma vez um rapaz lhe perguntou qual era a sua rosa preferida. Ela pensou um pouco e disse “a vermelha”..Porque ela representa a paixão, e toda ser humano deve ter uma paixão por mais que pareça insignificante.
A paixão da Angélica eram as rosas. Todos os dias ela tinha rosas nas mãos, todos os dias ela oferecia um pouco da sua paixão para as pessoas que passavam por ela.
A paixão com que se faz algo na vida tem a ver com a aceitação do seu lugar neste mundo de Deus, dizia ela. A minha paixão era oferecer e estar com as rosas.
A vida da Angélica nunca fora fácil. Filha única de um carpinteiro da Paraíba e de uma mineira doceira de Poços de Caldas, Angélica desde menina teve que aprender a dura realidade de trabalhar nas ruas ajudando a mãe que vendia doces no mercadão do centro da cidade. Foi lá que se apaixonou pelas rosas. As rosas foram para ela a ponte com o mundo, com a realidade que a rodeava.
Certo rapaz, pouco mais velho que ela, filho de um feirante, lhe oferecera rosas vermelhas quando ela só tinha quatorze anos e ela aceitou feliz. Na sua mente de menina moça surgia assim, pela primeira vez, os eflúvios do mais puro sentimento de amor. Carlinhos foi o seu primeiro amor. Mas o romance das flores vermelhas só durou uma estação. Carlinhos era só estrela fugaz no céu puro e cristalino de Angélica. Carlinhos simplesmente se fora e sem se despedir dela. Uma manha simplesmente ela não o vira mais. Depois soube que o Carlinhos e a sua família se mudou para a Bahia pois o pai tivera um derrame fatal e falecera. Pobre Carlinhos, pobre Angélica.
Surgira então a paixão pelas rosas, e assim ela vende rosas. Com as rosas, Angélica quer resgatar um pouco desse amor perdido, com as rosas ela quer encontrar as forças no passado para enfrentar o presente e não pensar no futuro.
As rosas tem a leveza da sua própria feminilidade. Elas são em essência, femininas.
E que alegria representam quando exalam o doce aroma das suas perfumadas pétalas. Quando são rosas encarnadas, a sua sensualidade é preponderante e vista sem mistério; quando são brancas representam a pureza e a paz de Deus.
Uma vez a vi frente a estação de metrô e decidi comprar uma rosa. Mas não sabia qual escolher. Angélica, com o seu sorriso sábio me disse: As vermelhas representam a paixão, as amarelas dinheiro, as rosas são delicado amor, mas também compaixão, as brancas a pureza da vida e pedido de perdão...Antes de escolher cheguei a visualizar um enorme vaso de rosas brancas no meio de uma sala. O perdão divino imperaria nela com toda força. Mas para mim, ainda não era tempo de pedir perdão.
Então escolhi uma rosa cor de rosa e um vermelho fogo. Ela sorriu novamente e me disse : boa escolha. O amor e a paixão. O que nunca deve faltar na vida.
Olhei-a impressionado com a lucidez da sua fala e com a sua sabedoria, o seu conhecimento. Nesse momento percebi que estava diante de uma vendedora de rosas fora do comum, excepcional.
Angelina adorava caminhar pelo bairro. Uma manhã estava frente a estação de metrô, a tarde perto da igreja, no outro dia ela podia ser vista caminhando pelas ruas tranqüilas e as vezes ficava nos cafés, bares e lojas vendendo suas rosas. Ela era conhecida por todos. Qualquer pessoa pode destacar-se nesta vida. Angelina era famosa pelo seu sorriso e afabilidade...Como essa moça é feliz!, diziam todos que a conheciam.
Angélica também sabia que a sua alegria natural vinha da sua força espiritual. Deus existia para ela num jardim de rosas. Deus criara as rosas de todas as cores e as cobrira de beleza e cheiro perfumado para enfeitar o mundo. Deus tinha complacência nas rosas porque elas representavam todos os encantos da natureza e Angélica sabia disso, tinha plena consciência disso e por isso ela era alegre.
Uma vez por semana Angélica entrava na igreja e levava flores ao altar. Era o seu agradecimento semanal ao criador por tantas dádivas que ela recebia.
O amor carnal passava por ela como um rio que fluía a beira da estrada por onde ela andava, mas ela nunca esperava nada, nunca pensava que lhe faltava um afeto, um namorado, talvez um marido. Ela continuava a jornada na vida vendendo flores e sabendo que não precisava mais nada para ser feliz. Ela vendia rosas.
As vezes pensava em Carlinhos, o seu amor do passado. Onde estaria e por que nunca voltara para ela? Talvez ela esperasse suave e doce que o rapaz aparecesse novamente e a pedisse em namoro, talvez ele vai aparecer um dia. Talvez ele nunca apareça. Não tem problema, pensava ela. Ela tinha as rosas e as rosas sempre eram belas e eternas.
A felicidade oculta da alma dessa vendedora de rosas tinha, talvez, um motivo, uma razão, aquela razão que nunca é vista ao olho nu mas que pode ser decodificada por um observador sagaz e astuto : ela tinha plena consciência que o seu lugar nesta terra e nesta vida era vender rosas. Ela sabia á que viera, a vender rosas, a vender sonhos, a distribuir alegria ás pessoas com quem se encontravam. Não importava o que ela tinha passado, a vida que ela tinha, os problemas e as agruras que tivesse passado, como todo mundo. Angelina sorria e seguia adiante. Para ela, vender rosas lhe proporcionava aquela paz que só uma alma bondosa e sabia poderia compreender em toda sua dimensão. Ela sabia que ela tinha paz porque desfrutava disso a cada dia, ela sabia que ela viera para vender rosas, para dar sorriso a quem necessitava. Ela sabia que isso era a felicidade e quem sabe o que é a felicidade e a sente, então é uma pessoa abençoada. E isso é raro, muito raro de se encontrar.

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